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São Paulo, domingo, 19 de outubro de 2003

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UM HOMEM COMO POUCOS

O papa João Paulo 2º acaba de completar 25 anos de pontificado. É um período longo. Tão longo que o seu papado já é o quarto maior de uma história de quase 2.000 anos. Foi tempo suficiente para que o sumo pontífice imprimisse sua visão de mundo ao Vaticano e consolidasse suas posições, que ganharam expressão doutrinária. Como é inevitável, seu pontificado encontra entusiastas e críticos, num debate que guarda muito de ideológico.
Antes de tornar-se João Paulo 2º, em 1978, Karol Józef Wojtyla foi bispo da Cracóvia (Polônia), sob regime comunista. Isso já bastava para torná-lo quase automaticamente um militante anticomunista, papel que desempenhou com competência. Há quem afirme que ele foi um dos responsáveis pela queda dos regimes comunistas do Leste Europeu. Há aí evidentemente algum exagero, mas não se deve cair no extremo oposto de menosprezar seu papel na luta contra as ditaduras socialistas.
O anticomunismo não lhe turvou a visão para os males do capitalismo. Ao contrário, João Paulo 2º se notabilizou como crítico feroz da globalização e das desigualdades. Assumiu também a firme defesa da paz. Recentemente opôs-se de modo categórico à invasão do Iraque, classificando-a de "imoral e injusta".
No plano evangélico, é o papa mais ativo de que se tem notícia. Mesmo considerando-se que João Paulo 2º contou com o auxílio de um aparato tecnológico que seus antecessores não conheceram, ele coleciona uma lista de feitos que impressiona. Fez 95 viagens para fora da Itália, visitando 130 países, nos quais proferiu 2.357 discursos, frequentemente na língua local. Tentando aproximar a santidade das pessoas normais e estas da santidade, concluiu 473 canonizações. Todos os outros 263 papas juntos canonizaram 302 santos.
O ativismo do papa, porém, não bastou para fazer a Igreja Católica crescer nestes 25 anos. O número de padres está mais ou menos estabilizado em torno de 400 mil há dez anos; ele vem caindo acentuadamente nos países ricos e crescendo nas nações mais pobres.
As críticas a João Paulo 2º concentram-se nos aspectos doutrinários de seu pontificado. Ele nunca escondeu que é um conservador e desde o início combateu o clero dito progressista, em especial a Teologia da Libertação. Nomeou tantos cardeais conservadores que o próximo sumo pontífice deverá ser alguém afinado com a sua linha de pensamento.
O ponto mais polêmico de seu pontificado está em suas rígidas posições em matéria de moral sexual, em especial a condenação ao uso de preservativos, que adquiriram, devido à epidemia de Aids, a condição de apetrecho vital. Para muitos, as constantes censuras à utilização dos preservativos são logicamente insustentáveis, pois não faria sentido condenar os métodos artificiais de contracepção e admitir os naturais.
A moral conservadora também se torna contraditória quando contrastada com a leniência com que a igreja vem tratando os casos de padres que se envolveram em abusos de menores, em relação aos quais se poderia imaginar que o Vaticano recorresse a medidas mais rigorosas.
Um balanço definitivo do pontificado de João Paulo 2º depende ainda de maior perspectiva histórica. O que parece bastante claro, desde já, é que se trata de um homem extraordinário, mas, ainda assim, um homem e, como tal, sujeito a paixões, contradições, acertos e erros.


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