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JOSÉ SARNEY
Presidenta ou presidente
As palavras vivem e morrem. A língua está em constante transformação. Não é estática. A todo momento recebe
as influências do cotidiano,
surgindo novos vocábulos,
neologismos que em geral vão
buscar suas formas no modo
de viver, nos costumes, no comunicar do povo. Said Ali,
com sua grande autoridade,
em seu "Dificuldades da Língua Portuguesa", diz que
"nem tudo quanto está nos
clássicos é para se imitar".
Agora estamos num dilema
que envolve semântica e política. Como tratar a titular eleita da Presidência da República: presidente ou presidenta?
Ambas as formas são corretas.
Há uma regra antiga de que as
palavras com os sufixos ente,
ante e inte são comuns de dois
gêneros e, assim, comportam
o masculino e o feminino.
Exemplos: dirigente, despachante, ajudante, pedinte,
atendente, viajante, estudante, comandante, governante...
Já governanta não é o feminino de governante, mas vem
do francês "gouvernante", e
tem um significado próximo,
mas limitado, discriminatório
de gênero, de quem administra uma casa. Um trabalho que
tende a desaparecer.
Isso, contudo, não resolve
as dúvidas. Nossos mais usados dicionários, o "Houaiss" e
o "Aurélio", aceitam a forma
presidenta.
Presidenta, segundo o "Aurélio", é "mulher que preside
ou mulher de um presidente",
distinta de presidente, que é
"pessoa que preside" ou "o
presidente da República". O
"Houaiss" fala em "mulher
que preside (algo)" ou "mulher que se elege para a presidência de um país" para definir presidenta e, para presidente, em "título oficial do
chefe do governo no regime
presidencialista" -substantivo de dois gêneros.
A forma tradicional, comum de dois gêneros, não tem
nenhum sentido discriminatório. Mas presidenta tem
mais um peso político que
linguístico.
A Folha já optou por chamar de presidente, deixando
de lado a forma presidenta.
Seguiu a regra da Academia
Francesa: "Madame le Président". Mas a questão é de uma
escolha pessoal da senhora
Dilma Rousseff. Ela é que vai
dizer como quer ser tratada e
naturalmente vai considerar o
aspecto político.
Sempre achei que o fato de
ser mulher não conseguiria estabelecer uma ligação entre a
candidata (Vieira usava pretensor) e as eleitoras. Já no governo vamos ter uma valorização da mulher, e esse vínculo
de solidariedade vai surgir
com força, a começar pelo modo de tratamento presidenta.
O que houve de revolucionário é que o Brasil elegeu
uma mulher, após um torneiro
mecânico. Português e semântica à parte, essa dúvida é prova de uma democracia de
oportunidades que envaidece
o país: as mulheres com tudo.
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta
coluna.
jose-sarney@uol.com.br
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