São Paulo, sexta-feira, 19 de novembro de 2010

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JOSÉ SARNEY

Presidenta ou presidente

As palavras vivem e morrem. A língua está em constante transformação. Não é estática. A todo momento recebe as influências do cotidiano, surgindo novos vocábulos, neologismos que em geral vão buscar suas formas no modo de viver, nos costumes, no comunicar do povo. Said Ali, com sua grande autoridade, em seu "Dificuldades da Língua Portuguesa", diz que "nem tudo quanto está nos clássicos é para se imitar".
Agora estamos num dilema que envolve semântica e política. Como tratar a titular eleita da Presidência da República: presidente ou presidenta? Ambas as formas são corretas.
Há uma regra antiga de que as palavras com os sufixos ente, ante e inte são comuns de dois gêneros e, assim, comportam o masculino e o feminino.
Exemplos: dirigente, despachante, ajudante, pedinte, atendente, viajante, estudante, comandante, governante...
Já governanta não é o feminino de governante, mas vem do francês "gouvernante", e tem um significado próximo, mas limitado, discriminatório de gênero, de quem administra uma casa. Um trabalho que tende a desaparecer.
Isso, contudo, não resolve as dúvidas. Nossos mais usados dicionários, o "Houaiss" e o "Aurélio", aceitam a forma presidenta.
Presidenta, segundo o "Aurélio", é "mulher que preside ou mulher de um presidente", distinta de presidente, que é "pessoa que preside" ou "o presidente da República". O "Houaiss" fala em "mulher que preside (algo)" ou "mulher que se elege para a presidência de um país" para definir presidenta e, para presidente, em "título oficial do chefe do governo no regime presidencialista" -substantivo de dois gêneros. A forma tradicional, comum de dois gêneros, não tem nenhum sentido discriminatório. Mas presidenta tem mais um peso político que linguístico.
A Folha já optou por chamar de presidente, deixando de lado a forma presidenta.
Seguiu a regra da Academia Francesa: "Madame le Président". Mas a questão é de uma escolha pessoal da senhora Dilma Rousseff. Ela é que vai dizer como quer ser tratada e naturalmente vai considerar o aspecto político.
Sempre achei que o fato de ser mulher não conseguiria estabelecer uma ligação entre a candidata (Vieira usava pretensor) e as eleitoras. Já no governo vamos ter uma valorização da mulher, e esse vínculo de solidariedade vai surgir com força, a começar pelo modo de tratamento presidenta.
O que houve de revolucionário é que o Brasil elegeu uma mulher, após um torneiro mecânico. Português e semântica à parte, essa dúvida é prova de uma democracia de oportunidades que envaidece o país: as mulheres com tudo.


JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.

jose-sarney@uol.com.br



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