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ANTONIO DELFIM NETTO
O Itamaraty
e a Alca
As discussões no Congresso
Americano sobre a TPA (Trade
Promotion Authority), vulgarmente
conhecida como "fast track", que autoriza a transferência de poder para o
Executivo negociar acordos comerciais, mostra a profunda diferença institucional entre os EUA e o Brasil. No
Brasil, a Constituinte de 1988 estabeleceu alegremente (art. 84, inciso VIII)
que compete "privativamente ao Presidente da República celebrar tratados, convenções e atos internacionais,
sujeitos ao referendo do Congresso
Nacional". O papel do Congresso (art.
49, inciso I) limita-se a ratificar ou a
rejeitar o ato, não podendo emendá-lo. Nos EUA, o Congresso dá sua autorização e impõe limitações às negociações do Executivo.
Na Câmara dos EUA, aprovou-se,
por um voto, o "fast track", com graves limitações ao poder Executivo: ele
não deve enfraquecer a legislação antidumping; deve negociar com cuidado
itens sensíveis (quase 300) na área
agrícola americana; não pode limitar
o poder do Congresso de sustentar
programas de estímulo à produção e
exportação agrícolas; não pode negociar sobre cítricos e açúcar. Por outro
lado, é instruído para forçar a eliminação de restrições dos parceiros aos investimentos americanos e negociar o
ajuste, aos seus padrões, da legislação
de propriedade industrial dos parceiros. No Senado, parece que vão acrescentar ainda maiores restrições: obediência às regras ambientais (enquanto os EUA se recusam a cumprir o tratado de Kyoto!) e insistência na modificação das regras da OMC que não
atendem aos interesses americanos.
De todas as instruções, a mais fantástica é a sugestão da criação de um mecanismo de consulta para analisar "desvalorizações competitivas". Isso mostra a extravagância e a prepotência a
que se pode chegar quando se supõe
ter o poder absoluto.
Para propostas tão absurdas, nada
como uma resposta absurda! A Comissão de Relações Exteriores da nossa Câmara propôs o "repúdio ao que
foi aprovado na Câmara dos EUA e
que o Brasil se retire das negociações
da Alca". No mesmo dia, o plenário da
nossa Câmara aprovou a sugestão.
Mais razoável, certamente, foi a resposta do Itamaraty, que, pela voz do
ilustre ministro das Relações Exteriores, disse mansamente que "o Brasil
reagirá de forma simétrica ou recíproca contra possíveis restrições americanas às negociações". A posição firme e
clara do Itamaraty foi com relação à
estapafúrdia proposta de misturar a
taxa de câmbio (formada livremente
no mercado) com os problemas comerciais.
Um cínico examinando superficialmente essa questão chegaria a uma
conclusão diferente da colocada na
Câmara. Não somos nós que não queremos negociar, são os EUA (como revela a chantagem de um único voto)
que não querem o Brasil na ALCA (ou
o querem de joelhos). Os impedimentos para negociar são exatamente
aqueles a que se referiu o presidente
Fernando Henrique em seu discurso
em Seattle.
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
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