São Paulo, quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

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Acesso perigoso

Plano da Anatel para obter dados de ligações telefônicas diretamente na base das operadoras constitui nova ameaça ao sigilo dos cidadãos

Desde fevereiro de 2008, a Agência Nacional de Telecomunicações tem o poder de solicitar às operadoras de telefonia informações sobre números de origem e destino, data, horário e duração de chamadas. Como esta Folha revelou ontem, a Anatel agora se prepara para dispensar essa intermediação e consultar diretamente a base de dados das companhias.
Já foram compradas, a um custo de R$ 970 mil, três máquinas para possibilitar a implementação da nova medida, que ainda depende de aprovação do conselho diretor da agência reguladora.
O gerente-geral de fiscalização da Anatel afirma que a abertura dos dados será solicitada ao cliente no momento em que ele ligar para fazer a reclamação. Mas como assegurar que isso será de fato a regra, e não a exceção?
Em um país onde balcões de compra e venda de sigilos de todas as áreas -bancário, fiscal, telefônico- são tão banais quanto uma ligação perdida, essa nova brecha deve ser recebida com cautela.
O inciso XII do artigo 5º da Constituição estabelece que "é inviolável o sigilo (...) das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial". A Anatel argumenta que não acessa o conteúdo de ligações, e portanto não existe violação -tese que divide os especialistas.
Parece razoável considerar que mesmo informações sobre os contatos telefônicos de um cidadão já constituem um grau indesejável de intromissão. As fontes sigilosas de jornalistas, por exemplo, fundamentais para reportagens investigativas, ficariam expostas -para citar apenas um caso.
Defensores do novo plano argumentam que as próprias operadoras já têm acesso a esses dados e, uma vez que é função da Anatel fiscalizá-las, é natural que disponha das mesmas informações.
O problema é que ao abolir um dos filtros -a solicitação formal às operadoras- em uma questão já controversa, a futura medida da Anatel expande a possibilidade de malfeitos. Não há nenhuma garantia a impedir que um técnico da agência, em qualquer lugar do país, chegue ilegalmente aos dados de uma pessoa por motivação política ou financeira.
O queijo suíço da Receita Federal serve de alerta para o risco de expandir o acesso a informações pessoais. Mesmo em um sistema que deveria ser confiável, com senhas e registros, os vazamentos são uma constante, como demonstrou o caso da violação dos sigilos de tucanos na campanha.
A Anatel deve ter à sua disposição todas as ferramentas adequadas para a fiscalização do serviço de telefonia no Brasil, ainda falho e caro se comparado a países emergentes e desenvolvidos. Mas isso não pode ocorrer à custa do direito dos cidadãos de preservar sua privacidade, já tão vulnerável a abusos em outras esferas do poder público brasileiro.


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