São Paulo, quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Concursos e contradições nas Arcadas

TERESA ANCONA LOPEZ


É necessário refletir sobre a legitimidade de concursos públicos de professor em uma faculdade que se propõe a ser referência acadêmica


A Universidade de São Paulo e, de modo particular, a tradicional Faculdade de Direito do Largo São Francisco são referências de qualidade acadêmica. Sua tradição formou-se graças à qualidade de seu corpo de professores e à dedicação de seus alunos.
No caso dos professores titulares, o concurso público isento, meritocrático e alheio a injunções políticas internas ou externas foi sempre a chave para a permanente seleção daqueles docentes comprometidos com a história e com os valores das Arcadas.
Infelizmente, nos últimos tempos, alguns concursos da faculdade têm sido objeto de contestações, que ultrapassam os limites da instituição e chegam à sociedade, expondo grave crise institucional, cujo equacionamento é urgente.
É notável a insegurança jurídica causada pela prevalência do subjetivismo nos critérios de avaliação, especialmente na constituição de bancas examinadoras por membros alheios ao objeto do concurso ou à realidade acadêmica da USP.
Não se pode admitir que pessoas sem conhecimento específico das matérias submetidas a concurso ou estranhas ao contexto acadêmico nacional ou da área da titularidade avaliem os candidatos ao cargo máximo da carreira. Nada contra os seus méritos intelectuais, mas é inegável a assimetria de conhecimentos específicos e a fragilidade dessas avaliações.
De modo simples, um concurso público significa, antes de tudo, a seleção de profissional qualificado para o exercício de uma função. É dever da administração preparar-se tanto (ou mais!) para o ato de avaliação quanto aquele que se habilita à vaga, sob pena de gerar injustiças e desestímulos contra a carreira daqueles que dedicam suas vidas ao ensino e à pesquisa e que difundem o nome da universidade no Brasil e no mundo.
Não se pode admitir contradições na tomada de decisão em um concurso, ao exemplo de um examinador dar causa a um empate entre os concorrentes e, depois, sem fundamentação objetiva, manifestar sua preferência por um deles, em desrespeito aos princípios jurídicos elementares, mesmo que autorizado por normas estatutárias. Como dizia são Paulo, boa é a lei, onde se executa legitimamente.
Mais do que alteração nas normas, é necessária uma reflexão criteriosa sobre a função e a legitimidade dos concursos públicos de professor em uma faculdade que se propõe a ser referência acadêmica.
Interesses paroquiais, subjetivismos ou questões externas ao ambiente universitário não podem interferir nos processos de seleção dos docentes. As externalidades negativas de um concurso marcado por favoritismos ou por intervenções alheias são significativas.
A Faculdade de Direito não é só de seus professores, alunos e servidores, muito menos do Estado de São Paulo. Ela conquistou seu lugar como instituição do povo brasileiro. Seus docentes marcaram a história do direito no país e a formação de gerações de estudantes.
Esse passado glorioso não pode ser obscurecido por vaidades ou interesses de grupos. As Arcadas precisam vencer essa crise, que corrói sua própria legitimidade, e fazer jus à reputação e aos destinos da "velha e sempre nova Academia".

TERESA ANCONA LOPEZ é professora titular de direito civil da Faculdade de Direito da USP.

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