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Começar do zero
Com crescimento de apenas 1%, creches para crianças de até 3 anos são hoje nível escolar mais negligenciado no Brasil
NO MEIO do turbilhão de
notícias sobre a queda
de qualidade da educação, um dado preocupante do Censo Escolar passou despercebido: de 2005 a
2006, o aumento no número de
matrículas em creches foi inferior a 1%.
Os resultados do censo foram
revelados há duas semanas, no
mesmo dia em que o Ministério
da Educação divulgou o Saeb
(teste que avalia a educação básica) e o Enem (exame do ensino
médio). O grande volume de informações passadas ao público
na mesma data dificultou que cada um desses estudos recebesse
o tratamento adequado.
No caso do censo, o que preocupa no pífio crescimento das
creches -destinadas a crianças
de 0 a 3 anos- é que nessa faixa
etária a cobertura escolar é menor e mais desigual.
Segundo a Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios do
IBGE, só 13% das crianças de 0 a
3 anos eram atendidas por creches em 2005. Nas famílias com
renda per capita inferior a 1/2 salário mínimo, essa proporção cai
para 8,6%. Naquelas cuja renda
ultrapassa três salários mínimos,
o percentual chega a 35,8%.
Esses números indicam que
uma das metas do Plano Nacional de Educação vai ficar no papel. Aprovado pelo Congresso
em 2001, estipulava que a cobertura até os 3 anos chegasse a 30%
em 2006 e a 50% em 2011.
Para que as metas fossem cumpridas, um estudo elaborado em
2003 pelo Inep (órgão do MEC
de avaliação e estatística) indicava que o setor mais carente de recursos seria o de creches. De um
patamar, em dinheiro da época,
de R$ 898 milhões, deveria passar para R$ 10,7 bilhões em 2011,
segundo o estudo.
Os passos dados pelo governo
federal, no entanto, foram na direção oposta. O primeiro projeto
de lei do Fundeb (fundo que amplia o financiamento do ensino
fundamental para a educação infantil e o ensino médio) enviado
ao Congresso excluía as creches.
Foi preciso intensa pressão da
sociedade civil no Congresso e
na Fazenda para que as creches
fossem incluídas no rateio de recursos. Agora, volta-se à carga
para que instituições sem fins lucrativos que atendem gratuitamente cerca de 1 milhão de
crianças em parceria com os municípios não fiquem de fora.
O descaso do Brasil com a educação infantil está em desacordo
com as descobertas no campo da
neurociência, segundo as quais o
cuidado até os 6 anos é decisivo
para o desenvolvimento emocional e cognitivo. Em contrapartida, sabe-se também que bebês
submetidos a maus-tratos, estresse e pouco estimulados na
primeira infância têm mais predisposição a adotar, no futuro,
comportamentos violentos.
Há ainda um impacto econômico nada desprezível. Estudo
da economista Lena Lavinas, da
Universidade Federal do Rio de
Janeiro, mostra que a renda das
mães mais pobres aumenta 57%
quando há acesso a creche.
No momento em que se discutem os mecanismos de proteção
à infância, ignorar tantas evidências de que é preciso investir
mais desde os primeiros anos é
um equívoco inaceitável.
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