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FERNANDO GABEIRA
Cortar a própria carne
RIO DE JANEIRO - O caso da brasileira que teria sido atacada por
skinheads na Suíça trouxe inúmeras lições.
Assim que soube da notícia, resolvi que daria o mesmo tratamento que dei ao processo da morte de
Jean Charles, assassinado em Londres. Visitaria a embaixada, acompanharia as notícias sobre o tema,
para que o Congresso tivesse uma
posição, se achasse conveniente.
Marquei audiência na embaixada
para terça, 17. Era quinta-feira. Alguns acharam o prazo muito longo
e, no mesmo dia, levaram nota à
embaixada. Recusei. Não por desconfiar da versão de Paula naquela
hora. Mas pelo fato de que, em política externa, um tempo de decantação sempre ajuda.
Tive sorte. Nos tempos em que
cadeias globais de televisão, CNN,
BBC, estão em cena, a diplomacia
não apenas se tornou mais transparente. Foi forçada a mudar de ritmo. No entanto, a diplomacia e o
jornalismo jamais terão a mesma
rapidez. A sintonia precisa acaba
nos expondo a gafes.
Outro problema da pressa é anexar os fatos à nossa visão de mundo,
como se estivéssemos sempre procurando algo para comprovar uma
teoria. A crise econômica vai fortalecer o nacionalismo, em alguns casos, estimular a xenofobia. É a tese.
A versão inicial de Paula era uma
armadilha, o famoso cqd, como
queríamos demonstrar.
É preciso deixar que os fatos
aconteçam, respirem, tenham seu
desdobramento. No caso de Paula
Oliveira, havia muitas máquinas de
interpretar, sondando o universo
em busca de exemplos. Ela não estava grávida de gêmeos e os cortes
poderiam vir de automutilação.
Nesses 200 anos de Darwin, sua
visão é um socorro para todos nós:
por mais que nos apeguemos a uma
hipótese, é preciso abandoná-la
sem pena quando as evidências a
contestam.
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