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TENDÊNCIAS/DEBATES
São positivas as novas regras para as farmácias?
SIM
Saúde é direito, e não simples mercadoria
DIRCEU RAPOSO DE MELLO e GUSTAVO HENRIQUE TRINDADE DA SILVA
AS NOVAS regras para farmácias
e drogarias aprovadas em
agosto de 2009 pela Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e que entraram em vigor nesta
semana reacendem um antigo debate
na sociedade brasileira: saúde é direito ou simples mercadoria?
De acordo com o regulamento, as
farmácias e drogarias terão que cumprir novas regras sanitárias. Alguns
medicamentos isentos de prescrição,
que apresentam maior risco e necessitam de maior cuidado e orientação
de uso, permanecerão atrás do balcão.
A comercialização de outras mercadorias deve atender ao disposto na legislação federal vigente, ou seja, somente podem ser comercializados
produtos relacionados com a saúde.
Apesar de mais de dois anos de discussão, do apoio do setor de saúde e
de representantes dos consumidores,
as medidas têm sido questionadas pelo comércio. A principal crítica? A
restrição da venda de mercadorias
que nada têm a ver com a saúde e a
disponibilidade de medicamentos
nas gôndolas nos corredores das farmácias e drogarias.
A falsa imagem de inocuidade, quase divina, que os medicamentos
transmitem ao senso comum da população é reforçada tanto pela falta
como pela qualidade da informação
que chega aos usuários, aliadas à descaracterização das farmácias e drogarias como estabelecimentos de saúde,
transformadas em simples atividades
de comércio, colocando em risco a
saúde da população.
Farmácias não são mercados, e medicamentos são produtos que necessitam de cuidados especiais em sua
utilização. Isso precisa ficar claro para a população.
A assistência farmacêutica não se
limita à aquisição e distribuição de
medicamentos com qualidade, segurança e eficácia garantida pelos fornecedores. Prescrição, dispensação e
uso correto dos medicamentos são fatores essenciais para o êxito do tratamento e pressupõem o acesso ao produto adequado para uma finalidade
específica, em quantidade, tempo e
dosagem suficientes, sob orientação e
supervisão farmacêutica.
Nem mesmo os medicamentos
isentos de prescrição médica estão livres de riscos. Caso contrário, poderiam ser comercializados nos supermercados ou em feiras, padarias e
postos de gasolina, sem orientação ao
usuário. Exemplos não faltam.
O acido acetilsalicílico (AAS),
quando associado à insulina ou à clorpropamida, por exemplo, pode levar a
um quadro de hipoglicemia. Alguns
antiácidos podem diminuir a eficácia
de antimicrobianos, prejudicando o
resultado dos tratamentos. O uso
combinado do antimicrobiano ofloxacina com o AAS pode aumentar o
risco de ataques convulsivos. O paracetamol, comumente utilizado como
analgésico e antitérmico, é um potente agente tóxico para o fígado em doses altas facilmente atingíveis por seu
uso indiscriminado.
Ora, se regulamos a propaganda para melhorar a informação e tornar
acessíveis ao cidadão orientações seguras para uso de medicamentos, somos tachados de censores. Por outro
lado, se viabilizamos alternativas de
acesso à informação para além da
propaganda, mediante orientação de
um profissional de saúde que por lei
deve estar na farmácia ou na drogaria,
somos autoritários.
A quem efetivamente interessam
essas críticas? Será que a simples exposição dos medicamentos nas prateleiras e corredores, verdadeira estratégia logística e de marketing aplicada
na venda de mercadorias em geral, garante o acesso livre e seguro a esses
produtos? É óbvio que não.
A transformação de farmácias e
drogarias em mercados sinaliza a visão que parte do setor tem sobre seu
papel na sociedade. É lamentável que
um setor de vital importância para a
saúde da população esteja numa disputa pela comercialização de balas,
sorvetes, bijuterias, chinelos e uma
série de outras mercadorias que não
possuem nenhuma relação com a
proteção e a defesa da saúde. Conveniência é assegurar assistência farmacêutica de qualidade, pois antes do
consumidor vem o cidadão.
DIRCEU RAPOSO DE MELLO , 55, farmacêutico e doutor
em análises clínicas pela Unesp, é diretor-presidente da
Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
GUSTAVO HENRIQUE TRINDADE DA SILVA , 32, é bacharel em direito e especialista em políticas públicas e
gestão estratégica da saúde.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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