São Paulo, sábado, 20 de fevereiro de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

São positivas as novas regras para as farmácias?

SIM

Saúde é direito, e não simples mercadoria

DIRCEU RAPOSO DE MELLO e GUSTAVO HENRIQUE TRINDADE DA SILVA

AS NOVAS regras para farmácias e drogarias aprovadas em agosto de 2009 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e que entraram em vigor nesta semana reacendem um antigo debate na sociedade brasileira: saúde é direito ou simples mercadoria?
De acordo com o regulamento, as farmácias e drogarias terão que cumprir novas regras sanitárias. Alguns medicamentos isentos de prescrição, que apresentam maior risco e necessitam de maior cuidado e orientação de uso, permanecerão atrás do balcão.
A comercialização de outras mercadorias deve atender ao disposto na legislação federal vigente, ou seja, somente podem ser comercializados produtos relacionados com a saúde.
Apesar de mais de dois anos de discussão, do apoio do setor de saúde e de representantes dos consumidores, as medidas têm sido questionadas pelo comércio. A principal crítica? A restrição da venda de mercadorias que nada têm a ver com a saúde e a disponibilidade de medicamentos nas gôndolas nos corredores das farmácias e drogarias.
A falsa imagem de inocuidade, quase divina, que os medicamentos transmitem ao senso comum da população é reforçada tanto pela falta como pela qualidade da informação que chega aos usuários, aliadas à descaracterização das farmácias e drogarias como estabelecimentos de saúde, transformadas em simples atividades de comércio, colocando em risco a saúde da população.
Farmácias não são mercados, e medicamentos são produtos que necessitam de cuidados especiais em sua utilização. Isso precisa ficar claro para a população.
A assistência farmacêutica não se limita à aquisição e distribuição de medicamentos com qualidade, segurança e eficácia garantida pelos fornecedores. Prescrição, dispensação e uso correto dos medicamentos são fatores essenciais para o êxito do tratamento e pressupõem o acesso ao produto adequado para uma finalidade específica, em quantidade, tempo e dosagem suficientes, sob orientação e supervisão farmacêutica.
Nem mesmo os medicamentos isentos de prescrição médica estão livres de riscos. Caso contrário, poderiam ser comercializados nos supermercados ou em feiras, padarias e postos de gasolina, sem orientação ao usuário. Exemplos não faltam.
O acido acetilsalicílico (AAS), quando associado à insulina ou à clorpropamida, por exemplo, pode levar a um quadro de hipoglicemia. Alguns antiácidos podem diminuir a eficácia de antimicrobianos, prejudicando o resultado dos tratamentos. O uso combinado do antimicrobiano ofloxacina com o AAS pode aumentar o risco de ataques convulsivos. O paracetamol, comumente utilizado como analgésico e antitérmico, é um potente agente tóxico para o fígado em doses altas facilmente atingíveis por seu uso indiscriminado.
Ora, se regulamos a propaganda para melhorar a informação e tornar acessíveis ao cidadão orientações seguras para uso de medicamentos, somos tachados de censores. Por outro lado, se viabilizamos alternativas de acesso à informação para além da propaganda, mediante orientação de um profissional de saúde que por lei deve estar na farmácia ou na drogaria, somos autoritários.
A quem efetivamente interessam essas críticas? Será que a simples exposição dos medicamentos nas prateleiras e corredores, verdadeira estratégia logística e de marketing aplicada na venda de mercadorias em geral, garante o acesso livre e seguro a esses produtos? É óbvio que não.
A transformação de farmácias e drogarias em mercados sinaliza a visão que parte do setor tem sobre seu papel na sociedade. É lamentável que um setor de vital importância para a saúde da população esteja numa disputa pela comercialização de balas, sorvetes, bijuterias, chinelos e uma série de outras mercadorias que não possuem nenhuma relação com a proteção e a defesa da saúde. Conveniência é assegurar assistência farmacêutica de qualidade, pois antes do consumidor vem o cidadão.


DIRCEU RAPOSO DE MELLO , 55, farmacêutico e doutor em análises clínicas pela Unesp, é diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
GUSTAVO HENRIQUE TRINDADE DA SILVA , 32, é bacharel em direito e especialista em políticas públicas e gestão estratégica da saúde.

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