São Paulo, segunda-feira, 20 de março de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Em defesa da PUC-SP

NADIR KFOURI, LUIZ E. WANDERLEY, LEILA BÁRBARA e ANTONIO C. RONCA


Como fizemos em outras conjunturas críticas, é preciso tomar decisões corajosas, superar divisões

Existem graves problemas históricos e estruturais que desafiam a universidade brasileira: concepções teóricas e metodológicas, relações universidade e sociedade, gestão democrática, avaliações institucionais, instâncias acadêmicas, autonomia e sustentabilidade, entre outros. Eles também afetam a PUC-SP, ademais daqueles que derivam de suas peculiaridades.
Um desses problemas -o da autonomia universitária- tem sido motivo de polêmicas, sobretudo por seus efeitos conhecidos: intervenções no período militar, demissões nas instituições privadas por discordâncias de posições, indicações de reitores à revelia da vontade da comunidade universitária, critérios duvidosos para alocar e controlar recursos etc. Se, em tese, os estatutos universitários dispõem sobre a autonomia didática, administrativa e financeira, eles ignoram a autonomia política, que reflete a liberdade de pensamento, ícone da natureza acadêmica. Um controle social democrático da sociedade e da comunidade interna é questão básica a ser analisada.
No caso da PUC-SP, essa autonomia tem sido valorizada e defendida nas relações com o Estado e a sociedade civil. Se, anteriormente, houve momentos de interferências da Fundação São Paulo, mantenedora da universidade, no geral, sempre houve uma mediação fecunda, e a fundação respeitou a autonomia.
Para superar a crise financeira da enorme dívida acumulada, nos últimos meses, primeiro, houve um pacto social interno para encaminhar soluções definitivas, ainda que penosas. Depois, objetivando atingir as metas cobradas pelos bancos, encaminhou-se uma estratégia dura da fundação, que foi expressa nas palavras do grão-chanceler à reitoria e na decisão de reestruturar o secretariado (que é composto, normalmente, por um secretário, indicado pelo grão-chanceler, e que, no presente, é acumulado pela atual reitora; nomeando mais dois membros, não pertencentes aos quadros da universidade).
A fundação chamou a si a tarefa de determinar os cortes, desconsiderando o Estatuto da Universidade, e executou um processo de demissões utilizando critérios não-acadêmicos e pouco transparentes, além de se orientar por uma lógica apenas econômico-financeira, a qual vem sendo aplicada em quase todas as IES (Instituição de Ensino Superior) do Brasil, nas públicas e, principalmente, nas particulares.
A nosso juízo, essas medidas ferem a autonomia universitária e rompem com a tradição desse diálogo. Os efeitos dessas demissões estão se mostrando nocivos, além de desumanos. Trouxeram desesperança e indignação ao corpo docente e de funcionários, com reflexos negativos sobre os estudantes. Sem falar nos prejuízos acadêmicos.
Torna-se patente que, no passado remoto e próximo, defrontamo-nos com situações graves que, embora amplamente debatidas pelos gestores, colegiados e setores organizados da PUC-SP, não levaram a medidas que assegurassem a sustentabilidade da universidade.
Por vezes se implementaram decisões até duras e sofridas, mas insuficientes. O quadro econômico-financeiro era complexo e foi se agravando ano a ano. No entanto, apesar da insistência das sucessivas direções em apontar a gravidade da situação, as respostas dadas não foram inteiramente satisfatórias.
Cabe, pois, responsabilidade a todos, por diagnósticos imprecisos, medidas protelatórias e, mais de uma vez, por concessões enganosas e corporativismos, tanto das entidades sindicais como das instâncias acadêmicas, que impediram a busca de práticas alternativas de fundo que poderiam ter mudado os rumos da instituição. Apesar das limitações, conseguimos alcançar um nível de excelência acadêmica, uma estrutura colegiada e uma condição pública e democrática, reconhecidos pela opinião pública.
Defendemos que é preciso assegurar o diferencial da PUC-SP, configurado em nossa identidade puquiana, de uma instituição democrática, de qualidade, de natureza comunitária.
Para isso, faz-se necessário traçar um planejamento positivo que: a) reforce a institucionalidade e a sustentabilidade; b) reveja e fortaleça mecanismos e canais adequados de diálogo permanente entre a fundação e o grão-chanceler com as instâncias deliberativas da PUC-SP; c) aprofunde e explicite a concepção de uma universidade pública não-estatal, que objetive a universalidade, a transparência, o controle social, a democratização, a cultura cívica, a participação ativa em todas as esferas.
E, para tanto, a autonomia é indispensável. Cientes, contudo, de que as eventuais soluções internas devem estar relacionadas com reformas políticas profundas no país, na perspectiva de um desenvolvimento sustentável, com ênfase numa educação de qualidade em todos os níveis e um compromisso social efetivo das universidades.
Como fizemos em outras conjunturas críticas, é preciso tomar decisões corajosas, superar divisões, romper as omissões, estimular a criatividade, ter a vontade política de, juntos, buscar soluções que não a descaracterizem e garantam a continuidade e o aprimoramento da excelência acadêmica e do seu espírito público e democrático.


Nadir Gouvêa Kfouri, 92, assistente social, foi reitora da PUC-SP de 1976 a 1984.
Luiz Eduardo W. Wanderley, 70, sociólogo, foi reitor da PUC-SP de 1984 a 1988.
Leila Bárbara, 67, lingüista aplicada, foi reitora da PUC-SP de 1988 a 1992.
Antonio Carlos Caruso Ronca, 60, educador, foi reitor da PUC-SP de 1993 a 2004.


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