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CARLOS HEITOR CONY
O novo satã
RIO DE JANEIRO - Curioso: a mídia é compactamente progressista. O demônio de plantão é o conservador Joseph Ratzinger. Impressionante como o estão satanizando, tornando-o
a besta negra do atual conclave e, até
certo ponto, substituindo Bush no pódio do homem atualmente mais
odiado pela mídia nacional e internacional.
Estou longe de morrer de amores
pelo cardeal alemão, mas não deixa
de ser irritante a satanização de Ratzinger. Atribuíram a ele a imposição
do silêncio aos cardeais, que data de
1139, por ocasião do segundo Concílio
de Latrão, que criou a exigência do
silêncio.
Pior mesmo foi o que li e ouvi na segunda-feira, quando os cardeais se
trancaram no conclave. Textualmente, foi noticiado que cardeal tido como linha-duríssima botou todos os
estranhos para fora da capela Sistina,
aos berros, gritando: "Extra omnes".
Tradução literal: "Todos fora!". Tradução real: "Rua!".
Este último ritual é mais recente, foi
adotado pelo sexto concílio na mesma basílica, se não me engano em
1517.
O grande furo da mídia nada tem a
ver com o "furo", que, em jargão adotado nos jornais, é a notícia dada em
primeira mão. O furo a que me refiro
é a perspectiva mesquinha que ela
adota para informar, analisar e opinar sobre o que acontece no mundo
contemporâneo. A impressão que me
dá é pitoresca. Comentam-se os fatos
como se o mundo tivesse começado
com a Elis Regina, com a tentativa de
suicídio do gato do João Gilberto e
com o cinema novo.
Nada houve antes dos três eventos.
Só existiam o Grande Vácuo, o Nada.
Nem Guerras Púnicas, nem assassinato de César, nem a Carta Magna,
nem a Renascença, nem a Reforma,
nem mesmo a vacina obrigatória que
o Nelson Rodrigues sempre lembrava
como o fato mais remoto e indecifrável da história humana. (PS - Esta
crônica foi escrita antes da eleição de
Bento 16. Pensei em substituí-la, mas
vai assim mesmo.)
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