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JOSÉ SARNEY
A vítima, essa esquecida
NO DIA SEGUINTE ao da promulgação da Constituição
de 88, 6 de outubro de 1988,
o doutor Saulo Ramos, então meu
consultor-geral da República, brilhante jurista e conhecedor profundo de direito constitucional,
entrou em minha sala na Presidência da República e disse-me, com
um ar brincalhão:
"Esta Constituição vai ser um
maná para nós, os advogados: os
tribunais ficarão entupidos de
ações". Em seguida, mostrou-me
um texto, o inciso LXI do art. 5º:
"Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita
e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei".
"Ora", dizia ele, "a partir de hoje,
ninguém pode ser preso neste país
para ser investigado". E me esclareceu mais ainda: "Veja esta outra
preciosidade: "a prisão de qualquer
pessoa e o local onde se encontre
serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do
preso ou à pessoa por ele indicada';
e mais, "o preso será informado de
seus direitos, entre os quais o de
permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e
de advogado"."
O criminoso, desse modo, tem
todos os direitos, e a vítima, aquela
que sofreu o ato criminoso, não
merece nenhuma menção nesse
artigo 5º, que trata dos direitos
fundamentais. Foi jogada para a
vala comum, remetida pelo último
artigo da Constituição a uma lei infraconstitucional.
No mundo inteiro, hoje, existe
legislação que assegura direitos às
vítimas, e há inclusive uma resolução da ONU nesse sentido. Considero que o desrespeito e a falta de
humanidade para com aqueles que
são trucidados pela violência e insegurança que existem no país vêm
a ser um estimulador da própria
violência. Se os criminosos e a sociedade, o Estado e as autoridades
olhassem o drama humano de
quem perde um pai, um filho, de
quem fica paralítico para vida inteira, olhassem os destinos que se
acabam, talvez não se cometessem
tantas atrocidades. Mas, ao contrário, só quem tem direito é o criminoso, o homicida. E as vítimas ficam no esquecimento e só merecem notícia quando são objeto de
sensacionalismo.
Apresentei um projeto de lei para proteger as vítimas de violência
e suas famílias e lutei para que não
se admitisse que homicidas se defendessem soltos. Há três anos tramita na Câmara, e -pasmem os
leitores- recebeu parecer contrário à sua aprovação.
As vítimas clamam por justiça.
Do jeito que está, o Brasil ganha então o título desonroso de país da
impunidade, de país protetor de
criminosos e de algoz das pobres
vítimas.
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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