|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CLÓVIS ROSSI
Os talibãs de São Paulo
PARIS - Antes de escrever, preparo a mala para o retorno ao Brasil.
Aterrorizado. De perto, o país -ou
pelo menos a parte em que me toca
viver, a cidade de São Paulo- sempre me pareceu primitivo, bárbaro.
Com as óbvias ilhas de luz ou de
sentido comum, mas, no essencial,
selvagem.
O caso da menina Isabella parece
ter levado a um mergulho ainda
mais acentuado na barbárie. A reportagem de Laura Capriglione e
Ricardo Westin sobre os tipos que
se acotovelavam diante da delegacia em que o pai e a madrasta da menina estavam depondo é um compêndio completo sobre o regresso à
selva, à lei da selva mais exatamente, de uma fatia dos paulistanos.
O texto é um desses momentos
em que a essência básica do jornalismo, que é ver, ouvir e contar, joga
luz nos subterrâneos da alma de
uma cidade que se tornou crescentemente inóspita. Talvez a reação
fosse a mesma em qualquer outra
cidade do mundo, mas parece evidente que São Paulo e sua selvageria cotidiana atiçam, cutucam, os
piores demônios que se escondem
nos recônditos da alma.
O pior é que viajei após um texto
em que criticava a condenação antecipada do pai e da madrasta pela
polícia, sem que tivesse havido, naqueles primeiros momentos, qualquer investigação séria que permitisse acusar ou inocentar quem
quer que fosse.
Dizia, então, que, se o casal fosse
culpado, acabaria sendo condenado
cedo ou tarde. Mas, se fosse inocente, teria sido condenado irremediavelmente, sem provas, sem julgamento, sem investigação.
Vinte dias depois, volto diante de
um cenário ainda mais selvagem: o
casal foi preso, julgado, condenado
e linchado (simbolicamente, mas
quase literalmente) a cada dia.
Já não apenas pela polícia, mas
pelo público ou, ao menos, a parte
dele que vai à porta da delegacia ou
pela massa que se cala diante da vitória dos talibãs de São Paulo.
crossi@uol.com.br
Texto Anterior: Editoriais: Fora de vista Próximo Texto: Brasília - Eliane Cantanhêde: Sem medo de discutir Índice
|