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MARINA SILVA
Motosserra
na legislação
ESTÁ ACONTECENDO no Brasil um grave retrocesso. Em
1988, a Constituição atingiu
qualidade e modernidade ambiental inéditas, abrindo caminho para
avanços importantes, muitos alcançados após processos demorados e difíceis. De uns tempos para
cá -sobretudo desde o ano passado-, uma sequência de declarações de autoridades, desqualificando a legislação ambiental, abriu caminho para iniciativas que se avolumam e convergem para a clara
intenção de desconstituir tais
avanços, em nome de uma visão
superada e imediatista de desenvolvimento.
Paradoxalmente, isso acontece
no momento em que o mundo reconhece, em meio ao final de festa
de um modelo consumista, poluidor e concentrador de riquezas,
que a saída envolverá forte guinada
para uma relação mais equilibrada
com o meio ambiente. E, justo
quando poderíamos assumir liderança inconteste nesse rumo, mergulhamos no atraso. O mais recente desatino foi o cavalo-de-troia
que o deputado José Guimarães,
do PT, introduziu na medida provisória de criação do Fundo Soberano, dispensando licença ambiental
para duplicação e recuperação de
estradas. De uma estrada vicinal na
Amazônia se poderá fazer uma BR
sem nenhum crivo ambiental.
O endereço da emenda é o asfaltamento da BR-319, em meio a 400
quilômetros de mata preservada. É
lamentável que tenha sido gestada
no Ministério dos Transportes e
encaminhada na Câmara com aval
do líder do PT. Perdeu-se a noção
do que significa um empreendimento desses na Amazônia, sem as
devidas salvaguardas socioambientais, em termos de expansão
da frente econômica predatória.
O imediatismo joga no lixo o esforço para estruturar o sistema de
licenciamento dentro de uma visão
de avaliação ambiental integrada
que já apresenta bons resultados.
A pressa em driblar o licenciamento é, de certa forma, ato falho, pois
escancara que a situação justificaria fortes condicionantes ambientais ou até mesmo a negação da licença. Daí partiu-se para ganhar o
jogo no tapetão.
Duas barreiras ainda se colocam
diante dessa vergonha: o Senado e
o veto do presidente Lula. Mas, para isso, é preciso sustentação da sociedade. No Acre de Chico Mendes
os empates eram um ato de resistência no qual trabalhadores, mulheres e crianças se colocavam
diante das árvores prestes a cair a
golpes de motosserras, num movimento pacífico para levar à negociação. Agora o Brasil tem outras
formas de empate, inclusive o eletrônico. A hora é essa, porque parte
do Congresso e do governo está
com as motosserras ligadas, prestes a botar abaixo nossa legislação
ambiental.
contatomarinasilva@uol.com.br
MARINA SILVA escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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