|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MELCHIADES FILHO
Assim é, se lhe parece
Reza a lenda que o Brasil tricampeão praticou um futebol de
puro improviso. A linha Jairzinho, Pelé, Tostão e Rivellino, alimentada por
Gérson, encanta até hoje, símbolo de
fantasia, de uma "época que não volta
mais" aos gramados. A goleada de 4 x
1 sobre a Itália arranca suspiros mesmo de quem jamais a assistiu.
Não se trata de alucinação coletiva.
O time foi mesmo fabuloso no México. No entanto, a crônica lhe conferiu
atributos imerecidos e subtraiu-lhe
outros que merecia.
Na realidade, 1970 viu uma seleção
brasileira de inédita sofisticação tática.
De modo algum superofensiva, postava-se na defesa, armada para contra-atacar. Lances geniais, como o gol de
Carlos Alberto que fechou a vitória do
título, nasceram de combinações no
vestiário, não de fagulhas de espontaneidade. Os "melhores momentos" da
final, reprisados vez ou outra na TV,
mascaram 90 minutos mordidos, até
maçantes em certos períodos.
Já a Copa seguinte, na Alemanha, carimbou no técnico Zagallo a qualificação de "retranqueiro". Quando, a rigor, ele perdeu para a Holanda com o
mesmo sistema de jogo que lhe dera a
taça quatro anos antes.
Assim, convencionou-se dizer que,
em julho de 1982, o estádio de Sarriá
viu a arte sucumbir de vez ao antijogo.
Decantada a frustração, quem teve a
paciência de rever a partida pôde
constatar que o sucesso da Itália no
Mundial não foi obra do acaso. Mais
equilibrada, a equipe do "sortudo"
Paolo Rossi venceu com justiça o Brasil de Telê Santana.
Assim, em 1990, Dunga deu nome a
uma "era" de mau futebol. Ainda que
o volante, ótimo passador, batesse recordes de eficiência em competições
de elite como o Italiano e o Alemão
-qualidade que contribuiria para o
tetracampeonato em 1994.
Assim, em 2002, faz parte do folclore
casseta-e-planetiano a ladainha de
que Cafu não sabe cruzar. Ainda que,
na Europa, o ala lidere rankings do
fundamento, à frente de astros acima-de-qualquer-suspeita como Figo
(Portugal) e Beckham (Inglaterra).
No futebol, como nas disputas eleitorais, símbolos costumam valer mais
do que fatos. Marqueteiros extraem
dos grupos de discussão das pesquisas
qualitativas as palavras que levarão à
campanha. No esporte, o consenso sai
depurado das mesas-redondas da TV,
dos papos de boteco, dos esbarrões no
recreio escolar.
A Copa do Mundo da Coréia do Sul
e do Japão, que começa no dia 31, tende, como nenhuma anterior, a cristalizar percepções.
Devido ao fuso, os jogos ocuparão a
faixa entre 2h30 e 10h30, horário de
Brasília. Por mais que publicitários,
dirigentes e jornalistas cruzem os dedos, menos pessoas assistirão ao evento. Boa parte da torcida só tomará conhecimento das partidas por boletins
de telejornais, "gols da rodada" e relatos da imprensa.
A tendência é acentuada porque,
neste Mundial, o futebol só estará na
Globo -a nave-mãe, na TV aberta, e
a filial Sportv, no clube exclusivo da
TV paga. Sem cacife, as outras emissoras apenas baterão bumbo.
O Brasil chega à Copa do blablablá
com seu pior retrospecto em eliminatórias, como um pré-candidato claudicante que espera surpreender na
etapa decisiva.
Mas, no domínio das percepções, a
seleção viaja com altos índices de popularidade. Felipão é um técnico de
"desempenho homogêneo" nas pesquisas. Hoje, seu bigode bate o de Lula
-caiu igualmente no gosto de homens e mulheres, velhos e jovens.
Melchiades Filho é editor de Esporte. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Boris Fausto, que escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Carter em Cuba Próximo Texto: Frases
Índice
|