São Paulo, segunda-feira, 20 de maio de 2002

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As inverdades da APTA

ANTÔNIO CARLOS WUTKE


É a Constituição que afirma que os institutos de pesquisa tecnológica gozam de autonomia didático-científica
Orgulhamo-nos , profundamente, da função pública que continuadamente exercemos no Instituto Agronômico e da qual nos aposentamos após 37 anos de exercício. Mas não aposentamos a nossa cidadania, com seus direitos e obrigações. Entre estas, a de lutar pela lisura e a seriedade no trato da coisa pública.
Por isso mesmo, não levantamos "infundadas suspeitas" sobre o processo que deu origem à criação da APTA (Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios), como afirmado pelo senhor José Sidnei Gonçalves, coordenador dessa agência, neste mesmo espaço da Folha, edição de 3 de abril último ("A verdade sobre a APTA", pág. A3).
O que categoricamente afirmamos -e agora reafirmamos, para dirimir qualquer dúvida- é que tanto a lei complementar nº 895, de 18/4/01, que instituiu a APTA, assim como os decretos que a antecederam e os demais atos, mais recentes, eram ilegais, arbitrários e despóticos, apoiados no direito da força.
A referida lei carregou um sempre denunciado vício de origem. A CPRTI (Comissão Permanente do Regime de Tempo Integral), com as incumbências legais de "manifestar-se sobre propostas de criação ou transformação de órgãos em instituto de pesquisa" e de "propor a alteração a que se refere o artigo 2º da lei complementar 125/75" (justamente o que foi modificado com a criação da APTA), manifestou-se, a tempo, contrariamente à proposta do Executivo.
Diante de tal posicionamento da CPRTI, cabia ao governador conformar-se com a negativa ou recorrer ao Poder Judiciário para tentar superá-la. Assim se pronunciou juiz da 4ª Vara da Fazenda Estadual em processo análogo. Preferiu, entretanto, o senhor governador usar o rolo compressor da máquina governamental. Em manifesto do Conselho Técnico-Científico da APTA (5/ 10/00), candidamente foi declarado que "a mudança não foi feita ao arrepio da lei. A necessária manifestação da CPRTI foi colhida pelo processo SAA nº 10/4/ 99. Cumprida essa formalidade, o governo do Estado, com muita propriedade (sic), encaminhou a proposta à Assembléia Legislativa do Estado".
Acontece que a CPRTI não é um órgão meramente consultivo. É normativo, é decisório por lei e como declarado em alto e não se tratava de colher a sua manifestação como mera formalidade. Tratava-se, repetimos, de acolhê-la ou recorrer ao Judiciário.
Para encerrar este capítulo, fique esclarecido que, para assunto de tal magnitude e sérias implicações, a Comissão de Administração Pública da Assembléia Legislativa recebeu o processo no dia 6 de setembro de 2000, véspera do Dia da Independência, com um dia de prazo para sua devolução. Obviamente não foi possível cumprir esse prazo, mas o processo foi devolvido à presidência com parecer desfavorável, contrariado pelo relator especial. O mesmo aconteceu em sua célere passagem pela Comissão de Constituição e Justiça. Apenas, a douta comissão não se manifestou...
Resta, do ponto de vista jurídico, a indisfarçável inconstitucionalidade da lei que pretende "enxertar" a APTA no artigo 2º da lei complementar nº 125, de 18/11/75, que criou a carreira de pesquisador científico. A regra do artigo 207, parágrafo 2º, da Constituição filia-se às normas constitucionais de eficácia plena, que, segundo os constitucionalistas, são aquelas que desde logo geram todos os efeitos, excluindo do ordenamento jurídico todas as normas anteriores que se oponham à determinação constitucional e tornando írrita, sem nenhum efeito, por inconstitucionalidade, toda norma legal ou infralegal que não se conforme com os ditames da Constituição".
Como já dissemos, não adianta querer sofismar. É a Constituição que afirma que os institutos de pesquisa científica e tecnológica gozam de autonomia didático-científica e de gestão financeira e patrimonial. Se os institutos ficaram sem orçamento, isto é, sem autonomia de gestão financeira, indevidamente usurpada pela APTA, o governo tem que devolvê-la. E o mesmo se aplica à sua autonomia didático-científica e de gestão patrimonial.
O nosso conceito do direito de propriedade intelectual do pesquisador e de sua instituição não é o mesmo do senhor José Sidnei Gonçalves. A sigla IAC se impôs naturalmente, como ponto de referência e padrão de qualidade.
O Instituto Agronômico não deixou de existir quando de sua fusão com o antigo Departamento de Fomento da Produção Vegetal, tanto que continuou a ser citado como tal, inclusive em documentos oficiais. Apenas perdeu a sua autonomia, restaurada em 1954.
Ao retirar da extinção 403 cargos de pesquisador científico, o governo do Estado só merece louvor por ter reconhecido seu próprio erro, depois de muito clamor -inclusive em reuniões na Assembléia Legislativa-, dos esforços da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado e de alguns deputados que têm lutado pelos institutos.
É ainda tempo de lembrar que tal tem sido a preocupação governamental com o desenvolvimento científico e tecnológico, que chegou a arrolar o prédio do Instituto Biológico como patrimônio inversível do Estado, a ser vendido como inútil barracão abandonado.
A APTA realmente é uma agência contra a razão. Nos significados de: faculdade que tem o homem de estabelecer relações lógicas; bom senso; juízo; prudência. Como é, também, contra a lei: a Constituição do Brasil.


Antônio Carlos Pimentel Wutke, 71, é pesquisador aposentado do IAC (Instituto Agronômico de Campinas). Foi presidente da Comissão Permanente do Regime e Tempo Integral e da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo.


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