|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
FERNANDO DE BARROS E SILVA
Aperitivo de 2006
As eleições municipais transformam São Paulo na capital política
do país neste ano. Não se trata de alimentar a velha imagem da arrogância
paulista e paulistana, em parte verdadeira, responsável pela desconfiança e
pela ironia com que o Estado e a cidade são vistos pelo resto do Brasil. Mas
também não é o caso de fugir aos fatos. Importante em circunstâncias
normais pelo peso da cidade -onde
estão o grosso do dinheiro, parte influente da mídia e grande parcela das
entidades da sociedade organizada-,
a eleição paulistana torna-se mais relevante e decisiva neste ano por razões
políticas e conjunturais.
Duas delas parecem ser as principais. Primeiro, o desgaste precoce do
governo Lula, o que, de certa forma,
recolocou o tucanato em campo como
alternativa de poder antes do que se
esperava. O PT conseguiu em menos
de um ano e meio a proeza de ser reconhecido pelo que preserva e imita do
governo anterior -a política econômica ortodoxa, aplicada em doses
mais cavalares- e ridicularizado pelo
que o afasta e diferencia de FHC.
A imagem de inoperância da máquina e do empreguismo descontrolado,
o populismo sentimental e as infâmias
verbais do presidente, a incapacidade
de lidar com situações de crise ou de
assimilar críticas, as trapalhadas na
área social -tudo isso compõe um
quadro de despreparo e de amadorismo que já virou senso comum entre
os formadores de opinião e vai pouco
a pouco se espalhando pela sociedade.
Relacionado ao primeiro, o segundo
aspecto relevante da eleição paulistana é a entrada de José Serra na disputa,
o que lhe confere outro peso. Uma
coisa é Marta Suplicy concorrer -e
ganhar ou perder do secretário Saulo
de Abreu Filho, neófito na política, figura desconhecida e sem densidade
eleitoral ou histórica, apenas um quadro em ascensão dentro do alckimismo. Outra, bem diferente, é enfrentar
Serra, que tem estatura nacional e cuja
trajetória está identificada com o núcleo histórico do PSDB. Mesmo que a
campanha empurre o centro da discussão para as questões municipais, o
que é até previsível, a eleição será o
primeiro grande teste do governo Lula. O que parece estar em jogo é a hegemonia política do PT em âmbito nacional pelos próximos anos.
Contra Serra pesa o fato de que pode
parecer alguém com mais medo de
perder do que com vontade de vencer.
Sua candidatura ainda transpira ares
hamletianos -ser ou não ser.
O problema de Marta parece maior.
À maneira malufista, a prefeita abriu
buracos pela cidade e pavimentou seu
caminho imaginando um cenário eleitoral mais ameno, com a retaguarda
do governo federal, a ajuda pessoal de
Lula e a ausência de adversários que
lhe pudessem ameaçar.
Mancomunado com Quércia desde
o início do governo, o PT municipal
fez pouco caso de seu partido justamente no momento decisivo -tudo
em nome de ambições da prefeita.
Agora, o preço político a pagar talvez
seja alto demais. Embora, é verdade,
não se deva menosprezar a vocação
parasitária do PMDB e do PFL, astros
da fisiologia que se alternam no papel
de coadjuvantes de petistas e tucanos.
Maluf e seu populismo de direita parecem marcados para morrer na
praia, a despeito de seu fôlego de gato.
A eleição tende a opor o neopetismo e
o centrismo tecnocrático do PSDB.
Tem sabor de aperitivo de 2006.
Fernando de Barros e Silva é editor de Brasil.
Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo
de Otavio Frias Filho, que escreve às quintas-feiras nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: O novo chapéu do Vilaça Próximo Texto: Frases Índice
|