São Paulo, quinta-feira, 20 de maio de 2004

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

Aperitivo de 2006

As eleições municipais transformam São Paulo na capital política do país neste ano. Não se trata de alimentar a velha imagem da arrogância paulista e paulistana, em parte verdadeira, responsável pela desconfiança e pela ironia com que o Estado e a cidade são vistos pelo resto do Brasil. Mas também não é o caso de fugir aos fatos. Importante em circunstâncias normais pelo peso da cidade -onde estão o grosso do dinheiro, parte influente da mídia e grande parcela das entidades da sociedade organizada-, a eleição paulistana torna-se mais relevante e decisiva neste ano por razões políticas e conjunturais.
Duas delas parecem ser as principais. Primeiro, o desgaste precoce do governo Lula, o que, de certa forma, recolocou o tucanato em campo como alternativa de poder antes do que se esperava. O PT conseguiu em menos de um ano e meio a proeza de ser reconhecido pelo que preserva e imita do governo anterior -a política econômica ortodoxa, aplicada em doses mais cavalares- e ridicularizado pelo que o afasta e diferencia de FHC.
A imagem de inoperância da máquina e do empreguismo descontrolado, o populismo sentimental e as infâmias verbais do presidente, a incapacidade de lidar com situações de crise ou de assimilar críticas, as trapalhadas na área social -tudo isso compõe um quadro de despreparo e de amadorismo que já virou senso comum entre os formadores de opinião e vai pouco a pouco se espalhando pela sociedade.
Relacionado ao primeiro, o segundo aspecto relevante da eleição paulistana é a entrada de José Serra na disputa, o que lhe confere outro peso. Uma coisa é Marta Suplicy concorrer -e ganhar ou perder do secretário Saulo de Abreu Filho, neófito na política, figura desconhecida e sem densidade eleitoral ou histórica, apenas um quadro em ascensão dentro do alckimismo. Outra, bem diferente, é enfrentar Serra, que tem estatura nacional e cuja trajetória está identificada com o núcleo histórico do PSDB. Mesmo que a campanha empurre o centro da discussão para as questões municipais, o que é até previsível, a eleição será o primeiro grande teste do governo Lula. O que parece estar em jogo é a hegemonia política do PT em âmbito nacional pelos próximos anos.
Contra Serra pesa o fato de que pode parecer alguém com mais medo de perder do que com vontade de vencer. Sua candidatura ainda transpira ares hamletianos -ser ou não ser.
O problema de Marta parece maior. À maneira malufista, a prefeita abriu buracos pela cidade e pavimentou seu caminho imaginando um cenário eleitoral mais ameno, com a retaguarda do governo federal, a ajuda pessoal de Lula e a ausência de adversários que lhe pudessem ameaçar.
Mancomunado com Quércia desde o início do governo, o PT municipal fez pouco caso de seu partido justamente no momento decisivo -tudo em nome de ambições da prefeita. Agora, o preço político a pagar talvez seja alto demais. Embora, é verdade, não se deva menosprezar a vocação parasitária do PMDB e do PFL, astros da fisiologia que se alternam no papel de coadjuvantes de petistas e tucanos.
Maluf e seu populismo de direita parecem marcados para morrer na praia, a despeito de seu fôlego de gato. A eleição tende a opor o neopetismo e o centrismo tecnocrático do PSDB. Tem sabor de aperitivo de 2006.


Fernando de Barros e Silva é editor de Brasil. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Otavio Frias Filho, que escreve às quintas-feiras nesta coluna.


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