São Paulo, quinta-feira, 20 de maio de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Guindastes para a Amazônia

ENNIO CANDOTTI

Era 1987. Conta a história que o ministro dos transportes, José Reinaldo Tavares, hoje governador do Maranhão, e o ministro da Ciência e Tecnologia, Renato Archer, examinavam com o presidente Sarney questões de suas pastas. José Reinaldo defendia a compra de algumas dezenas de guindastes para portos brasileiros, obras essenciais de infra-estrutura para a economia. Archer, preocupado em ampliar o escasso quadro de recursos humanos especializados, aproveitou a oportunidade para defender a ampliação do programa de bolsas de estudo para formação de mestres e doutores: "Multiplicá-lo por quatro custaria o equivalente a poucos guindastes", observou.
Sarney aprovou a idéia; o programa do CNPq, que então era de cerca de 10 mil bolsas, passou para 40 mil. Em poucos anos, o da Capes-MEC também cresceu e hoje formamos 7 mil doutores por ano. É um bom número e tende a crescer. Temos ao todo cerca de 70 mil profissionais especializados envolvidos em atividades de pesquisa e desenvolvimento . Economias semelhantes têm, no entanto, quatro vezes mais. Precisamos caminhar mais depressa.
Hoje a Amazônia ocupa o centro das atenções nacionais (e internacionais). O seu desenvolvimento sustentável é estratégico e passa pelo conhecimento, pela C&T: nas biotecnologias, na antropologia, na saúde, nas engenharias, no ambiente e seus ecossistemas complexos. Todos concordamos. E também sabemos que fazem falta, muita falta -em seus institutos, universidades e empresas-, engenheiros, sanitaristas e pesquisadores. Contam-se em menos de 3.000 esses quadros na Amazônia. Deveriam ser 10 mil, pelo menos. Sem eles o desenvolvimento não se sustenta.


Hoje a Amazônia ocupa o centro das atenções. O seu desenvolvimento sustentável é estratégico e passa pelo conhecimento


Não há guindastes à vista na mesa do presidente Lula, mas há R$ 3 bilhões na reserva de contingência da Fazenda; recursos recolhidos pela Receita para o uso específico no desenvolvimento de ações em ciência e tecnologia, conforme determina a legislação que criou os fundos setoriais.
Nos últimos anos têm sido sacrificados nessa reserva, para alimentar o superávit primário, cerca de 60% dos recursos desses 14 fundos, recolhidos de empresas estatais e privadas.
A Comissão de Articulação e Orçamento do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia apresentou na última reunião, dia 6 de maio, presidida pelo próprio presidente da República, a proposta de investir 30% desses recursos contingenciados -isto é, R$ 900 milhões- em um programa de formação e fixação de doutores e especialistas na Amazônia, observando as áreas e especificidades setoriais desses fundos. Uma conta aproximada mostra que, com a liberação de R$ 15 milhões por mês, dos R$ 3 bilhões da reserva, poderíamos formar, em seis anos, 5.000 doutores com esse perfil e, desde logo, fixar na região mil especialistas de boa experiência.
Assim, sem comprometer o superávit primário corrente, uma vez que o custeio do programa comprometeria valores crescentes, mas reduzidos nos primeiros anos, seria possível promover um programa estratégico de formação de recursos humanos de longo prazo e de fixação imediata de quadros especializados naquela região. Jovens dispostos a investir nele seu futuro não faltam. Há também cientistas e técnicos prontos a participar de um amplo movimento de C&T para o desenvolvimento sustentável da Amazônia e lá se fixar.
A equação é simples: dispondo de imediato de poucos recursos humanos e materiais para promover o seu desenvolvimento acelerado, deveríamos investir uma pequena parte do que temos (em reserva de contingência) na fixação de pesquisadores e engenheiros experientes e dar a eles as condições necessárias para que possam contribuir para ampliar os conhecimentos e formar os quadros de que tanto necessitamos para ocupar e defender -científica e tecnologicamente- a Amazônia e garimpar os recursos necessários para sustentar o seu desenvolvimento. Tudo a longo prazo, em suaves prestações mensais.

Ennio Candotti, 62, professor da Universidade Federal do Espírito Santo e membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, é presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência).


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