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MARCOS NOBRE
Road movie 1968
"SEM DESTINO", de Dennis
Hopper, é o símbolo do
road movie, o filme pé na
estrada, na sua versão 68. Entre
muitas coisas, porque mostrou que
o esperanto dos 1960 -a música-
podia virar imagem sem perder demais em força explosiva.
O seu conflito fundamental era
entre um mundo fixo e imóvel e o
peregrino que não cabia nele. Um
mundo de profissões com perfis nítidos, de família e residências fixas,
de empregos estáveis. Em meio a
guerras, revoluções e conflito de
superpotências, essa era pelo menos a imagem de uma estabilidade
prometida.
Nesse mundo, o outsider 68 era
um rebelde simplesmente porque
não parava quieto no lugar. Não tinha rumo, ponto fixo, família, trabalho ou profissão determinada.
Hoje, a mobilidade constante e a
comunicação instantânea são trivialidades do cotidiano. O desemprego é crônico, e as denominações
profissionais perderam sua nitidez. Famílias se decompõem e se
recompõem das mais diversas maneiras.
Um filme como "Onde os Fracos
não Têm Vez", dos irmãos Coen,
conta como começou esse declínio.
Retoma muito do road movie 68,
mas não é por acaso que não tem
trilha musical e que seu peregrino é
um assassino profissional.
Já o título do filme de Sean Penn
("Into the Wild", "Na Natureza Selvagem") é uma resposta à canção
de abertura de "Sem Destino",
"Born to Be Wild" ("Nascido para
Ser Selvagem"). A natureza selvagem está dentro de nós. E a trilha
de Eddie Vedder tenta reatualizar a
união de música e imagem dos
1960 para dizer isso. Mas seu sentido é outro.
A rebeldia não é desafio direto ao
mundo estabelecido, mas busca de
um "si mesmo" obscurecido pelo
tumulto da vida. A rebeldia não está em mudar o mundo, mas em mudar a si mesmo contra um mundo
que impõe padrões predeterminados para se levar a vida.
Como a maior dessas imposições, o trabalho é cada vez menos
realização pessoal e cada vez mais
um meio para "se virar" e cuidar
das coisas que realmente importam. O que quer que isso signifique
para cada pessoa.
É fácil dizer que essa nova idéia
de rebeldia é apenas ilusão porque
não altera as estruturas. Isso é certamente verdade: as pessoas são
tão móveis e flexíveis quanto o capital. Mas também desconfiam de
grandes transformações tanto
quanto do próprio capital.
É fácil dizer que essa rebeldia é
apenas expressão de um individualismo extremado. Isso também é
verdade: cada qual vem antes de todo mundo. Mas se mudança vier,
virá com esse novo indivíduo e não
contra ele.
Reencenar 1968 como se nada tivesse acontecido de lá para cá é
simplesmente reacionário.
nobre.a2@uol.com.br
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta
coluna.
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