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TENDÊNCIAS/DEBATES
Contra o crime de lavagem de dinheiro
PEDRO SIMON
Consciente de que vivemos no país da impunidade, o Senado avança ao oferecer uma nova Lei do Crime de Lavagem de Dinheiro
A VIRTUDE de uma República
não se sustenta somente em
boas leis. Nem depende apenas
de homens honrados e de boa-fé. Há
que avaliar o respeito que impõem os
códigos legais ao conjunto da sociedade e se eles são cumpridos integralmente, anulando ou reduzindo a impunidade ao grau mínimo.
No Brasil, com referência ao crime
organizado e sua sofisticação, sobretudo em ocorrências que envolvem
cofres públicos, nem boas leis existem. Tanto que é relativamente fácil
atravessar sua complexidade e, tendo
o tempo como aliado, chegar ileso a
um porto seguro.
Nesse cenário, consciente de que
vivemos no país da impunidade, onde
as leis valem mais para os pobres
-que conhecem, sim, a polícia, desconhecendo, porém, a Justiça-, o Senado avança ao oferecer ao Brasil uma
nova e moderna Lei do Crime de Lavagem de Dinheiro, como ficou conhecido o projeto de lei 209, de 2003,
ao qual apresentei o substitutivo
aprovado por unanimidade na sessão
plenária de 8/5.
Construído a partir da análise de
diferentes propostas em tramitação
há anos, recebidos os acréscimos propostos por entidades diversas e especialistas, o projeto segue para a Câmara, onde aguardará a avaliação dos deputados e irá à sanção do presidente
da República, quando passa a vigorar
plenamente.
A primeira e grande novidade é a
definição da prática de lavagem de dinheiro como um crime específico, independente do delito antecedente
que deu origem ao numerário e patrimônio acumulados.
Não tínhamos tal situação estabelecida claramente em nossa legislação, em que pese a experiência que
existe no setor. O país inscreve-se,
agora, no rol das nações que têm a
chamada "terceira geração" de leis de
combate à lavagem de dinheiro.
Classificado o crime, tendo em vista as perdas que causa à sociedade
tanto do ponto de vista do prejuízo
material em si, pois, freqüentemente,
envolve dinheiro público, quanto pelo aspecto moral, por ser uma agressão à cidadania, impomos, de imediato, maior rigor na punição de seus autores, com a ampliação da pena máxima de prisão de dez para 18 anos.
Esse período de privação da liberdade aumentará no caso de reincidência e de formação de quadrilha, já
que em torno desses delitos se constituem, não raro, estruturas empresariais, muitas vezes com capacidade
operativa internacional, atuando em
ramos diversificados e de difícil e
oneroso rastreamento.
A fiança, hoje fixada em valores irrisórios para um amplo leque de infrações, foi aumentada. Chega à beira
do vexame e da desmoralização a estipulação de uma fiança de uns poucos
reais para a liberação de indivíduos
que se apropriaram de milhões ou bilhões de reais. Para corrigir essa distorção, libera-se o juiz para aplicar
fiança no valor do total do patrimônio
amealhado de forma criminosa.
Outra inovação que provocou debate intenso no Senado foi a faculdade
conferida, exclusivamente, ao Ministério Público e ao delegado encarregado do inquérito de acesso a dados
cadastrais do investigado. Os responsáveis pela investigação buscarão informações sobre qualificação pessoal,
filiação e endereço, independentemente de autorização judicial, mantidas por instituições financeiras, administradoras de cartão de crédito,
empresas telefônicas, provedores de
internet e Justiça Eleitoral.
Ressalte-se que não há prejuízo ao
direito individual garantido na Constituição, pois não se trata de invasão
ou quebra de sigilos bancário, fiscal
ou telefônico.
Fortalecemos o Coaf (Conselho de
Controle de Atividades Financeiras),
órgão do Ministério da Fazenda, criado pela lei 9.613, de 1998, o primeiro
conjunto de normas destinadas a
combater a lavagem de dinheiro no
país. Alteramos sua constituição e asseguramos maior agilidade no trabalho de aplicar penas administrativas e
identificar ocorrências suspeitas de
lavagem de dinheiro.
Assim, incluímos na composição do
Coaf servidores da Secretaria da Receita Federal, da Agência Brasileira
de Inteligência, do Departamento de
Polícia Federal, da Comissão de Valores Mobiliários, da Superintendência
de Seguros Privados e da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.
Trata-se, enfim, de uma nova lei,
que dota nossa sociedade de um instrumento que permitirá maior repressão contra os crimes de lavagem
de dinheiro. Não é o suficiente, mas,
além dessa, outras idéias e propostas
estão em debate no Congresso, na
mesma direção, exigindo atenção da
sociedade e mobilização dos cidadãos
para, efetivamente, se transformarem em leis que possam pôr um fim à
impunidade.
PEDRO SIMON, 78, advogado, é senador da República pelo PMDB-RS. Foi líder do governo no Senado Federal (governo Itamar Franco), governador do Rio Grande do Sul
(1987-91) e ministro da Agricultura (governo Sarney).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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