São Paulo, terça-feira, 20 de maio de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Contra o crime de lavagem de dinheiro

PEDRO SIMON

Consciente de que vivemos no país da impunidade, o Senado avança ao oferecer uma nova Lei do Crime de Lavagem de Dinheiro

A VIRTUDE de uma República não se sustenta somente em boas leis. Nem depende apenas de homens honrados e de boa-fé. Há que avaliar o respeito que impõem os códigos legais ao conjunto da sociedade e se eles são cumpridos integralmente, anulando ou reduzindo a impunidade ao grau mínimo.
No Brasil, com referência ao crime organizado e sua sofisticação, sobretudo em ocorrências que envolvem cofres públicos, nem boas leis existem. Tanto que é relativamente fácil atravessar sua complexidade e, tendo o tempo como aliado, chegar ileso a um porto seguro.
Nesse cenário, consciente de que vivemos no país da impunidade, onde as leis valem mais para os pobres -que conhecem, sim, a polícia, desconhecendo, porém, a Justiça-, o Senado avança ao oferecer ao Brasil uma nova e moderna Lei do Crime de Lavagem de Dinheiro, como ficou conhecido o projeto de lei 209, de 2003, ao qual apresentei o substitutivo aprovado por unanimidade na sessão plenária de 8/5.
Construído a partir da análise de diferentes propostas em tramitação há anos, recebidos os acréscimos propostos por entidades diversas e especialistas, o projeto segue para a Câmara, onde aguardará a avaliação dos deputados e irá à sanção do presidente da República, quando passa a vigorar plenamente.
A primeira e grande novidade é a definição da prática de lavagem de dinheiro como um crime específico, independente do delito antecedente que deu origem ao numerário e patrimônio acumulados. Não tínhamos tal situação estabelecida claramente em nossa legislação, em que pese a experiência que existe no setor. O país inscreve-se, agora, no rol das nações que têm a chamada "terceira geração" de leis de combate à lavagem de dinheiro. Classificado o crime, tendo em vista as perdas que causa à sociedade tanto do ponto de vista do prejuízo material em si, pois, freqüentemente, envolve dinheiro público, quanto pelo aspecto moral, por ser uma agressão à cidadania, impomos, de imediato, maior rigor na punição de seus autores, com a ampliação da pena máxima de prisão de dez para 18 anos.
Esse período de privação da liberdade aumentará no caso de reincidência e de formação de quadrilha, já que em torno desses delitos se constituem, não raro, estruturas empresariais, muitas vezes com capacidade operativa internacional, atuando em ramos diversificados e de difícil e oneroso rastreamento.
A fiança, hoje fixada em valores irrisórios para um amplo leque de infrações, foi aumentada. Chega à beira do vexame e da desmoralização a estipulação de uma fiança de uns poucos reais para a liberação de indivíduos que se apropriaram de milhões ou bilhões de reais. Para corrigir essa distorção, libera-se o juiz para aplicar fiança no valor do total do patrimônio amealhado de forma criminosa.
Outra inovação que provocou debate intenso no Senado foi a faculdade conferida, exclusivamente, ao Ministério Público e ao delegado encarregado do inquérito de acesso a dados cadastrais do investigado. Os responsáveis pela investigação buscarão informações sobre qualificação pessoal, filiação e endereço, independentemente de autorização judicial, mantidas por instituições financeiras, administradoras de cartão de crédito, empresas telefônicas, provedores de internet e Justiça Eleitoral.
Ressalte-se que não há prejuízo ao direito individual garantido na Constituição, pois não se trata de invasão ou quebra de sigilos bancário, fiscal ou telefônico.
Fortalecemos o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), órgão do Ministério da Fazenda, criado pela lei 9.613, de 1998, o primeiro conjunto de normas destinadas a combater a lavagem de dinheiro no país. Alteramos sua constituição e asseguramos maior agilidade no trabalho de aplicar penas administrativas e identificar ocorrências suspeitas de lavagem de dinheiro.
Assim, incluímos na composição do Coaf servidores da Secretaria da Receita Federal, da Agência Brasileira de Inteligência, do Departamento de Polícia Federal, da Comissão de Valores Mobiliários, da Superintendência de Seguros Privados e da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.
Trata-se, enfim, de uma nova lei, que dota nossa sociedade de um instrumento que permitirá maior repressão contra os crimes de lavagem de dinheiro. Não é o suficiente, mas, além dessa, outras idéias e propostas estão em debate no Congresso, na mesma direção, exigindo atenção da sociedade e mobilização dos cidadãos para, efetivamente, se transformarem em leis que possam pôr um fim à impunidade.


PEDRO SIMON, 78, advogado, é senador da República pelo PMDB-RS. Foi líder do governo no Senado Federal (governo Itamar Franco), governador do Rio Grande do Sul (1987-91) e ministro da Agricultura (governo Sarney).

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