São Paulo, Quinta-feira, 20 de Maio de 1999
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Correios e privatização


O modelo estruturado nos anos 70 dava sinais de fadiga, ameaçando padrões de qualidade duramente conquistados


EGYDIO BIANCHI

Primeiro, uma notícia ruim para os eternos adversários do processo de mudanças e da reforma do Estado brasileiro: não está prevista a privatização dos Correios, ao contrário do que se alardeia. Agora, uma notícia boa para quem acredita na evolução e na qualidade dos serviços públicos: os Correios ficarão ainda melhores. Mas, como não podem ficar parados no tempo, preparam-se para uma profunda reformulação, capacitando-se para disputar novos mercados, adotando parcerias e abrindo oportunidades para a ação empresarial privada no setor. Isto é, ampliando os reconhecidos bons serviços que já prestam à população brasileira.
É muito importante que a sociedade esteja bem informada sobre o que o governo pretende propor ao Congresso com relação à reestruturação do setor postal brasileiro. Desde o último dia 3 está submetido à consulta pública, inclusive pela Internet, o anteprojeto da lei geral do Sistema Nacional de Correios, que trata do seguinte: extinção do monopólio postal no prazo de dez anos; criação da Agência Nacional de Serviços de Correios; disciplina do regime de concessões de serviços públicos postais, para ampliar a participação da iniciativa privada; definição objetiva dos serviços universais (essenciais).
Quanto à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), será transformada em sociedade por ações, passando a ser denominada Correios do Brasil S/A; fica, porém, mantido o controle acionário da União. O objetivo é dinamizar sua gestão, criar novos canais de captação de recursos financeiros e permitir -se e quando for o caso- parcerias acionárias com capitais privados.
A nova empresa manterá a obrigatoriedade da prestação de serviços universais à população. Ao mesmo tempo, serão reconhecidos e regulamentados os operadores privados, com expansão dos espaços da iniciativa privada, por parcerias com a Correios do Brasil.
Não é algo feito às pressas. Trata-se de um processo desencadeado pelo saudoso ministro Sérgio Motta, já em 1995. Reconheceu-se que o modelo estruturado com sucesso na década de 70 dava sinais de fadiga, ameaçando padrões de qualidade duramente conquistados, em decorrência de fatores adversos surgidos ao longo de quase dez anos: aumento do tráfego postal, investimentos inexpressivos, atraso tecnológico, congelamento do quadro de pessoal, ingerências políticas etc.
Assim, iniciou-se um programa de recuperação, que contribuiu decisivamente para a moralização da gestão, o retorno da capacidade de planejamento, a redução de custos administrativos e operacionais e a reestruturação de tarifas e preços. Isso permitiu à ECT atingir a estabilidade econômico-financeira, definir rumos e apresentar resultados equilibrados e expressivos.
Ao mesmo tempo, o governo e a ECT passaram a ficar atentos às grandes transformações ocorridas no sistema postal no mundo, impulsionadas pelas novas tecnologias de comunicação e pela desregulamentação dos mercados.
Estudo recente do Banco Mundial e da União Postal Universal, com projeções para o mercado mundial até 2005, indica que a América Latina, em particular na comunicação entre empresas, terá 30% do tráfego de correspondências substituído por meios eletrônicos de comunicação. Em países como o Brasil, o tráfego doméstico de correspondências deve crescer a uma taxa de 3,8% ao ano; para o de encomendas, prevê-se aumento médio de 5% ao ano. Hoje, no país, o tráfego anual é superior a 6,8 bilhões de objetos postais.
Apesar de nossa expressiva infra-estrutura, montada para atender a um país de dimensões continentais, o setor postal brasileiro ficou anacrônico não só tecnologicamente, mas também em termos de regulamento, de organização e comerciais. Incapaz de suportar seu próprio desenvolvimento, o setor exige a construção de um novo modelo de funcionamento, viável em todos os seus aspectos e em harmonia com as vertentes pública e empresarial.
Na frente empresarial, a Correios do Brasil S/A enfrentará os desafios da concorrência, da produtividade e da satisfação do cliente, buscando margens de lucro compatíveis com as práticas de mercado. No plano social, voltados para o atendimento das populações de baixa renda ou de localidades longínquas, os Correios oferecerão serviços financeiros básicos, como pagamentos de pensões, recebimentos de contas, remessa de dinheiro por cheque postal, contas de giro e transferência postal e poupança simplificada. É o modelo do "banco postal", adotado com sucesso na Europa e na Ásia.
A primeira revolução dos Correios deu-se com a criação da ECT, há 30 anos. Ela prosperou até o início dos anos 80, período em que o país experimentou uma extraordinária capacidade de atendimento e qualidade dos Correios, que passaram a ser motivo de orgulho da população e ostentar o título de instituição de maior credibilidade do país. Hoje, estamos no início daquela que será reconhecida como a segunda revolução dos Correios no Brasil.


Egydio Bianchi, 59, engenheiro, é presidente da ECT (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos).



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