São Paulo, segunda-feira, 20 de junho de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Os quatro cavaleiros do apocalipse

CESAR MAIA

A dinâmica de gestão das organizações tem um elemento nuclear que explica toda a sua complexidade. É o processo da tomada de decisões. Sem exagero, poderia dizer que todos os demais componentes da administração são técnicas que se adquirem com treinamento. O que distingue a qualidade dos executivos -especialmente os das grandes organizações- é a experiência, a ciência, a arte e a habilidade que desenvolveram para processar informações, coordenar pessoas e, assim, tomar decisões para o futuro. Essa dinâmica se torna mais sofisticada, e em grande medida defensiva, num quadro de incertezas. Certamente, é esta macroinsegurança que desafia hoje as decisões de investimentos substantivos na economia brasileira.


É esta macroinsegurança que desafia hoje as decisões de investimentos substantivos na economia brasileira


O quadro geral pode ser subdividido em quatro vetores ou cavaleiros. O primeiro é a insegurança jurídica que envolve o país. Um levantamento preliminar sobre os precatórios vencidos e não pagos em todos os níveis de governo, no país, alcança um valor próximo a R$ 100 bilhões. São dívidas líquidas e certas, decididas em última instância, lançadas pelos tribunais nos orçamentos e que, já levando em conta os parcelamentos autorizados pela lei, estão vencidas e não foram pagas.
Outro exemplo são os créditos tributários autorizados por lei para os exportadores, que, uma vez devidos, são simplesmente ignorados pelos governos. O valor destes últimos é estimado em mais de R$ 50 bilhões.
Outro, ainda, é uma moda perigosa que se espalha pelo país, conhecida como Justiça Alternativa ou direito vindo das ruas, praticada por centenas de juízes em todos os lugares, que, em vez de aplicar a lei na sua concretude, julgam, de acordo com seu critério de justiça, qual tipo de desdobramento teria uma questão e decidem aplicá-lo segundo o que acham razoável.
Sem esgotar a longa pauta, pode-se citar, também, a insegurança crescente quanto ao direito de propriedade no campo através da mobilidade impunível do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
Um segundo vetor é a insegurança política, anotada por cientistas políticos como a natureza autoritária do governo federal.
As agências reguladoras, que tinham como finalidade a despolitização das decisões quanto à infra-estrutura econômica e aos bens de uso genérico, viram sua autoridade ser esterilizada por tanta retórica e tantas manipulações. A tentativa de amordaçar o Ministério Público por meio de impedimentos de publicidade e de limitar a imprensa com a criação de conselhos são outros exemplos. A permissividade com o MST, a infiltração na máquina profissional do Estado de agentes políticos, a tentativa de intervir na Federação por decreto, desmascarada a tempo pelo STF (Supremo Tribunal Federal), a antecipação de dados do IBGE, a ascendente sinalização da política externa quanto aos modelos que inspiram o atual governo e a desmoralização do Legislativo completam esse quadro sem esgotar o tema.
Um terceiro vetor é a insegurança econômica. O movimento errático da taxa de câmbio numa situação de mercado imperfeito, apresentado como flutuação cambial, permite a manipulação para os fins que o governo entender, seja com vistas à inflação, seja com vistas ao setor externo, seja com vistas à especulação pelos que podem ter acesso privilegiado à informação.
A inutilidade da legislação nacional sobre Previdência estatal, com o descumprimento generalizado da lei nš 9.717/98, a carga tributária, seja através de tributos de intervenção, seja por seu volume, que inibe o crescimento e a distribuição de renda, ou pela vantagem comparativa dos sonegadores, além dos sinais trocados que saem dos ministérios e das próprias declarações do presidente, são outros exemplos.
Um quarto vetor é a insegurança administrativa. Esta tem como base a inapetência do presidente para o ato de governar, dando a certeza da imprevisibilidade de prazos e das inconseqüências da retórica governamental. Sem esquecer da orgia de conselhos, grupos e instâncias coletivas de todos os tipos, que arrastam questões emergentes para um prazo indeterminado, e a inexistência de controles jurídico e financeiro internos, que abrem espaços para um sem número de irregularidades e desvios éticos, responsáveis, todas as semanas, pelas manchetes explosivas da imprensa.
Esses quatro vetores afetam, cada vez mais, a dinâmica da tomada de decisões dos gestores estrategicamente relevantes, especialmente dos atores externos, desconstruindo qualquer possibilidade de visão estratégica sobre o Brasil e afunilando a economia, a política e a sociedade, num overnight onde as decisões operacionais e de investimentos se tornam defensivas. Transforma-se, assim, em uma política monetária muito mais rígida para produzir os mesmos resultados em relação à estabilidade, que é precificada nos juros e na rigidez relativa da inflação. Sem desatar esses nós preliminares -os quatro cavaleiros do apocalipse econômico e político-, não há como ser otimista quanto ao futuro.

Cesar Maia, 60, economista, é prefeito do Rio de Janeiro pelo PFL.
@ - cesarmaia@uol.com.br



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