São Paulo, terça-feira, 20 de junho de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Política de chuteiras

ROBERTO LUIS TROSTER

A PRODUÇÃO FUTEBOLÍSTICA nacional está entre as melhores do mundo. Além dos craques da seleção, 28 jogadores nascidos aqui jogam para outros países e quatro técnicos brasileiros estão no comando de outras equipes na Copa. Exportam-se jogadores e tecnologia futebolística com resultados positivos para a balança comercial e a imagem do país no exterior.


Séculos de representação política personalista geraram um círculo vicioso e rígido, que não é consistente com os anseios da população


Não é fruto do acaso e não depende de nenhum craque individual para dar certo. O sucesso do futebol brasileiro é a combinação do fluxo contínuo de jogadores que começa nos campos de várzea, nas ruas e nas praias, da organização de clubes, de regras simples que são seguidas por todos, de um sistema de campeonatos que promove os bons desempenhos e da torcida que aplaude os resultados positivos.
Enquanto no futebol o Brasil está entre os melhores do mundo, se houvesse uma copa do mundo de economia, é certo que não se classificaria, apesar da abundância de talentos e recursos. O país não está entre os 32 melhores em taxas de crescimento do PIB, renda per capita e na distribuição de renda. Culpam-se os políticos, o que é paradoxal. O necessário para um bom desempenho econômico é, coincidentemente, o mesmo que para um futebol de classe: aplicação de estratégias adequadas, criatividade, respeito a regras por todos, jogo de equipe, perseverança e dedicação. Mas dá certo no futebol e falha na política.
Espera-se um craque político que mude esse quadro. Alguém que faça o país do futuro virar presente, o craque que com liderança, raça e ginga leve o Brasil a uma posição de destaque. É uma busca infrutífera. Esse craque não vai aparecer. Tanto no futebol como na política, craques podem definir jogos, mas é necessário mais que isso para colecionar taças. São os princípios do sistema que geram o bom futebol, não os craques de momento. Décadas de bons resultados criaram um círculo virtuoso para o futebol, elevando-o a patamares de qualidade superiores. Séculos de um sistema de representação política personalista geraram um círculo vicioso e rígido, que não é consistente com os anseios da população.
A representação política depende em excesso de uma só pessoa com mandato fixo com pouca flexibilidade. O Congresso tem um papel de coadjuvante e não é responsável pelo bom desempenho da economia. O resultado é que esse sistema conduz a um desempenho econômico pífio.
A solução proposta seria de um ajuste no sistema político que empregasse os princípios do futebol: a) jogo de equipe -a adoção do parlamentarismo e b) flexibilidade -o desengessamento do Orçamento. Com essas medidas, o Congresso torna-se responsável pelo futuro do país, o Orçamento ganha flexibilidade e a política econômica expande seus horizontes. O engessamento do Orçamento pela Constituição de 1988 tem que ser removido. Em 18 anos, o país mudou, as prioridades se alteraram e, apesar do crescimento da receita tributária, há pouca mobilidade para destinar recursos e reformar impostos.
A condução da política econômica necessita de flexibilidade financeira para se adequar a cenários em transformação.
Num regime parlamentarista o tempo de mandato vale por prazo indeterminado, ou seja, enquanto tiver um bom desempenho. Nesse caso, um governo para se prolongar no poder tem uma maior relutância em "empurrar com a barriga" os custos de sua política econômica, pois usufrui dos benefícios futuros. Dessa forma, o parlamentarismo favorece políticas que dão popularidade a longo prazo. Isto é, ele tenderia a distribuir os custos e benefícios da política econômica ao longo do tempo.
No regime presidencialista, além do excesso de personalismo, há um incentivo a adotar políticas populistas, que geram benefícios a curto prazo e repassam os custos aos sucessores. Há incentivos para postergar reformas importantes como a previdenciária e a tributária, pois os governos não querem arcar com custos políticos atuais, cujos benefícios serão usufruídos no futuro.
Neste momento em que as grandes barreiras para o desenvolvimento sustentado são a postergação das reformas estruturais e a asfixia tributária, a viabilidade do parlamentarismo e do desengessamento do Orçamento poderia ser analisada com mais profundidade. Dá certo no futebol, tem que dar certo na economia.
Nelson Rodrigues escreveu: "No futebol, o pior cego é o que só vê a bola".
ROBERTO LUIS TROSTER , 55, é doutor em economia pela USP e economista chefe da Febraban. troster@febraban.org.br


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