São Paulo, quarta-feira, 20 de junho de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O conflito de Darfur e o meio ambiente

BAN KI-MOON

Em outras partes surgirão problemas semelhantes, para os quais as soluções que forem encontradas em Darfur poderão ser úteis

HÁ CERCA de duas semanas, os dirigentes dos países industrializados se reuniram em Heiligendamm (Alemanha) em sua cúpula anual. Nosso objetivo era modesto: obter avanços na luta contra as mudanças climáticas. Felizmente, conseguiu-se a redução para a metade das emissões de gases de efeito estufa até 2050. Fico feliz com o fato de que os meios para isso devem ser negociados por intermédio da ONU.
Dias atrás, a comunidade internacional fixou sua atenção em outra questão. Graças a uma diplomacia enérgica, mas paciente, alcançamos outra vitória. Refiro-me ao plano, aceito pelo presidente do Sudão, Omar al Bashir, de enviar a Darfur uma força conjunta de paz da ONU e da União Africana. Fiquei muito feliz, pois Darfur é uma de minhas prioridades e dediquei consideráveis esforços, freqüentemente com grande discrição, para avançar em direção à consecução desse objetivo.
É evidente que subsistem incertezas. Como outros que o precederam, o acordo poderá não se concretizar. Talvez seja necessário esperar vários meses para que os 23 mil homens previstos cheguem ao local. Num conflito que já fez mais de 200 mil mortos em quatro anos de inércia diplomática, isso representa, apesar de tudo, progresso importante. Seria natural pensar que não há nenhuma relação entre os dois acontecimentos. Porém, estão ligados.
Falamos sempre de Darfur utilizando uma cômoda linguagem política e militar, descrevendo-o como um conflito étnico que opõe milícias árabes a rebeldes e agricultores negros. Mas, ao nos debruçarmos sobre as raízes desse conflito, vemos uma dinâmica mais complexa. Além das causas sociais e políticas, ele se iniciou como uma crise ecológica, provocada, em parte, por uma alteração climática.
Há duas décadas, as chuvas começaram a se tornar raras no sul do Sudão. Os cientistas pensaram que se tratava de um capricho da natureza.
Pesquisas posteriores mostraram que esse fenômeno coincidiu com um aumento da temperatura das águas do oceano Índico que perturba a estação das monções. Isso leva a pensar que a seca na África subsaariana se deve, pelo menos em parte, ao aquecimento do planeta provocado pelo homem.
Não foi por acaso que a violência deflagrou em plena seca. Um artigo recente de Stephan Paris, publicado na "Atlantic Monthly", descreve o caloroso acolhimento que os agricultores negros dispensavam aos pastores quando estes atravessavam suas terras, onde seus camelos pastavam e cujos poços partilhavam. Mas, quando deixou de chover, os agricultores ergueram barreiras, com medo de que suas terras fossem destruídas pelos rebanhos. Pela primeira vez, não houve água nem alimento para todos. E eclodiram os combates que, em 2003, se transformaram em tragédia.
Uma força de paz da ONU contribuirá para moderar a violência e facilitará a passagem da ajuda humanitária. Mas é só o primeiro passo. A construção da paz em Darfur deve levar em conta as causas do conflito. Podemos esperar a volta de mais de 2 milhões de refugiados. Podemos proteger as aldeias e ajudar a reconstruir as casas. Mas o que fazer em relação ao problema fundamental, que é a falta de boas terras para todos? É preciso encontrar uma solução política. Há um plano, que começa pelo diálogo entre rebeldes e governo, que deve começar nos próximos meses.
Porém, em última análise, a solução para Darfur requer algo mais: desenvolvimento sustentado. Sua forma não é clara, mas devemos começar a pensar nisso. Podemos utilizar a ajuda de novas tecnologias, como cereais geneticamente modificados, ou de novos métodos de irrigação e armazenamento da água. É necessário obter os fundos necessários para construir novas estradas, para a infra-estrutura de comunicação, para financiamento dos programas de saúde, educação, saneamento e recuperação social.
A comunidade internacional deve ajudar nos esforços, em cooperação com o governo sudanês, bem como com as organizações humanitárias internacionais e as ONGs que desenvolvem trabalho heróico no local.
O que está em jogo ultrapassa Darfur. Jeffrey Sach, que é um dos meus principais assessores, observa que, na Somália, a violência tem origem numa mistura explosiva semelhante de insegurança alimentar e medo de falta de água. O mesmo se pode dizer da Costa do Marfim e de Burkina Faso.
Em outras partes do mundo surgirão problemas semelhantes, para os quais as soluções que forem encontradas em Darfur poderão ser úteis. Nos últimos meses e semanas, conseguimos avanços lentos, mas constantes. A população de Darfur sofre demais e há muito tempo. O verdadeiro trabalho começa agora.


BAN KI-MOON, 63, mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA), é o secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas). Foi ministro das Relações Exteriores e do Comércio da República da Coréia.

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