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RUY CASTRO
A grande impertinácia
RIO DE JANEIRO - No último dia
de José Sarney na Presidência da
República, em 1990, Millôr Fernandes publicou num jornal do Rio a
charge definitiva sobre a longa,
quase interminável, passagem do
homem dos "Maribondos de Fogo"
pelo Planalto. O desenho mostrava
um grotesco Sarney bebê, bigodes e
tudo, sentado num peniquinho. E a
legenda dizia: "Mamãe! Acabei!".
A charge de Millôr foi reproduzida em toda parte, xeroxes passaram
de mão em mão naquele dia e ela
acabou imortalizada em antologias.
Seria perfeita não fosse por um detalhe: ao contrário do que Millôr e
todos nós pensávamos, Sarney
ainda não tinha acabado.
Em vez de pendurar o jaquetão e
se dedicar à literatura, preferiu continuar nas lides. Melhor para a literatura, mas pior para as lides. Agora, quase 20 anos depois, como tri-presidente do Senado, Sarney está
tendo de se explicar por um festival
de contratações, aumentos e gratificações de parentes dele próprio e
de seus subordinados, colegas e cupinchas, e tudo tão às escondidas
que nem ele "sabia de nada".
Em 1988, quando presidente,
Sarney, num discurso, patinou e
pronunciou a palavra "impertinácia", que não existe. Talvez quisesse
dizer "pertinácia", talvez "impertinência". Caíram-lhe em cima pela
batatada, e eu próprio, na época, arrisquei uma definição para a palavra: "Impertinácia. S.f. 1. Qualidade,
caráter ou ação do impertinaz. "Ele
caracteriza-se pela impertinácia"
(José Sarney, discurso, em solenidade). 2. Teimosia descabida,
obstinação insolente, pervicácia
inoportuna".
Nesta semana, ao ser acusado de
conivente com a farra do Senado, o
empavonado Sarney protestou: "É
injustiça do país julgar um homem
com tantos anos de vida pública".
Nada define tão bem a impertinácia
desta frase quanto a palavra que ele
mesmo criou.
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