São Paulo, domingo, 20 de junho de 2010

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Genoma humano, 10

Leitura do código genético da espécie transformou a pesquisa biológica, mas não cumpriu todas as suas exageradas promessas

No próximo sábado completam-se dez anos da apresentação da sequência do genoma humano, ou o que se tornou conhecido como mapa genético da espécie. As expectativas sobre a façanha científica, contudo, ainda estão por ser cumpridas.
Não faltaram pompa e retórica na cerimônia realizada em 2000, na Casa Branca, com o presidente americano Bill Clinton e o premiê britânico Tony Blair. Ela serviu para pôr um ponto final na corrida por prioridade entre o grupo financiado por recursos públicos de vários países, representado por Francis Collins, e a empresa Celera, de Craig Venter.
Nenhuma das equipes concorrentes, àquela altura, obtivera mais que um rascunho da sequência. Os artigos científicos só seriam publicados sete meses depois, já em 2001.
Fazia mais de uma década que os pesquisadores da iniciativa oficial, o Projeto Genoma Humano (PGH), decifravam e posicionavam cada uma das 3 bilhões de unidades químicas ("letras", na analogia do código). Levariam anos na tarefa, não viesse o azarão Celera correndo por fora.
Para justificar um orçamento estimado em US$ 3 bilhões, o PGH prometia uma revolução na medicina. A ideia era que, conhecido o conteúdo de cada um dos mais de 20 mil genes nos 46 cromossomos humanos, os mecanismos bioquímicos de todas as doenças terminariam desvendados.
Francis Collins afirmou na ocasião que em dez anos haveria testes genéticos para diagnosticar as moléstias mais importantes, como tumores, diabetes e Alzheimer. Mais cinco anos e uma nova geração de tratamentos surgiria. Bill Clinton disse já ser concebível que seus netos só viessem a conhecer o câncer como uma constelação de estrelas no céu.
Tais metas permanecem inalcançadas. Falhou a hipótese de que as raras variações individuais -trocas de letras- no genoma ajudariam a identificar doenças e curá-las. Mesmo as associações estatísticas entre genes e moléstias estão presentes numa parcela ínfima de portadores. Estudos recentes revelam que métodos convencionais, como o histórico familiar, podem ter maior valor preditivo que o escrutínio de genes.
Nem sequer o diagnóstico avançou, até aqui, com a genômica. E não chegaram, tampouco, ao menos na quantidade imaginada, os remédios que deveriam brotar do conhecimento obtido.
Em que pesem essas frustrações, não se deve concluir que o Projeto Genoma Humano tenha sido um equívoco ou um fracasso.
A genômica de fato transformou a pesquisa em biomedicina, agregando-lhe uma panóplia de novas tecnologias, cujo custo vem caindo vertiginosamente. Se o primeiro genoma custou US$ 3 bilhões, hoje já se pode sequenciar o de um indivíduo por US$ 5.000.
Uma ou mais décadas poderão ainda ser necessárias para processar a enorme massa de informações sobre genes gerada em dez anos. Como sempre, os pesquisadores estão otimistas.
É justo e recomendável dar-lhes o tempo de que precisam, desde que em troca se disponham a calibrar melhor sua retórica, desfazendo esperanças desmesuradas nas biotecnologias.


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