São Paulo, quarta-feira, 20 de julho de 2011

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Meus chutes, aguardando o planejamento

ROBERTO SMERALDI


Suspeito que, após planejar, talvez nunca valeria a pena sequer discutir Belo Monte, enquanto usinas como as do Madeira poderiam ser adiadas


Debates desencontrados nascem da falta de transparência e de planejamento na política energética.
Uns reclamam dos impactos de uma obra, enquanto outros respondem sobre a necessidade dela: diálogos paradoxais, entre surdos. Belo Monte é caso emblemático, e longe de ser único. Formular perguntas lógicas ajuda: se não para resolver, pelo menos para focar os conflitos sobre o que interessa. Até quando houver planos de obras, em vez de política energética, o debate seguirá surreal.
A primeira pergunta é sobre demanda, que não é linear, nem necessariamente proporcional ao crescimento. Moldar demanda -em modalidades e prazos- é função primordial da política energética e implica investir para definir a agenda da geração.
Para tanto, é essencial fixar metas e padrões ótimos de intensidade (consumo por unidade de produto).
Em vez de uma revolução tecnológica de eficiência na indústria, o plano decenal oficial prevê manter a atual intensidade até lá.
A segunda é sobre o caminho mais barato e rápido para atender a cenários de demanda que não sejam projetados a partir do passado, o que torna de antemão obsoleto nosso futuro. Nenhuma energia nova, de qualquer fonte, compete com a que já geramos e jogamos fora.
Antes de investir em geração adicional, precisa-se aproveitar o que existe, reduzindo perdas em todos os segmentos, com destaque para transmissão, onde passam de 20%.
O plano decenal prevê manter as taxas de perda atuais.
Aí vem a terceira pergunta, a respeito do conjunto de fontes de geração necessário após aproveitar as "low hanging fruits", as oportunidades mais disponíveis.
Esse conjunto deve ser diverso, pela segurança do abastecimento.
Boa notícia para o Brasil é que esse desafio seria prioritário só no final desta década, permitindo investir em condições mais vantajosas.
Nos campos eólico e solar, contaríamos com avanço tecnológico-industrial nacional que iria anteceder investimento maciço nessas fontes.
Em biomassa e dejetos, poder-se-á ganhar escala e baratear tais opções, inclusive aproveitando os recursos vultosos que serão poupados com o fim da cobrança da amortização das usinas velhas.
Caso se tornem necessárias algumas grandes hidrelétricas, haverá tempo de preparar, com cinco a sete anos de antecedência, a governança dos territórios onde elas se inserem e considerar apenas os projetos mais eficientes.
Só discutiríamos os impactos, ou como evitar as selvagerias socioambientais do rio Madeira, se e quando forem respondidas as perguntas do planejamento.
Suspeito que, após planejar, talvez nunca valeria a pena sequer discutir Belo Monte, enquanto usinas como as do Madeira poderiam ser adiadas para daqui a dez anos, com preinvestimento social, ambiental e de presença do Estado.
O meu, de fato, não deixa de ser um chute. Igual aos chutes que levam a deslocar R$ 50 bilhões de dinheiro público para tanto, inviabilizando outros investimentos. E a defender que a selvageria seria o preço a pagar para fazer agora o que nem sequer sabemos se jamais seria competitivo.

ROBERTO SMERALDI, jornalista, é diretor da Oscip Amigos da Terra - Amazônia Brasileira e autor do Novo Manual de Negócios Sustentáveis (Publifolha).

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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