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O menos e o mais
CARLOS HEITOR CONY
Rio de Janeiro - Já contei, em crônica
antiga, aquele encontro de Marcel
Proust com um amigo de mocidade.
Os dois não se viam havia muito.
Olharam-se profundamente, em silêncio, até que o amigo tomou coragem e
perguntou o que Proust estava achando dele. Com a voz fanhosa de asmático, o romancista foi breve: "O mesmo.
Só que menos".
Entre as minhas desditas, não figura
a de ter sido amigo de mocidade do
Brasil. Nasci nele, vivo nele, acho que
nele morrerei, mas daí não posso considerá-lo um amigo -sendo a recíproca verdadeira.
O fato é que, depois de seis semanas
longe dele, reencontro-o o mesmo, só
que menos. Um menos que me dará
algum trabalho. Imitando o governador do Rio de Janeiro, que jogou fora
as vitaminas que tomava por suspeita
de serem falsas, terei de examinar bulas e prazos de vencimento de uma
porrada de remédios que compro, uns
por necessitar, outros por achar que
em dado momento poderei precisar,
muitos outros apenas por mania -eis
que cultivo razoável hipocondria, que
aumenta com o tempo, as circunstâncias e a cautela...
Além desse trabalhão, tenho de me
informar sobre as novas propostas
eleitorais do PT, os planos de campanha de FHC, a crise na educação e,
como indesejável sequela da Copa, o
que houve com Ronaldinho no dia do
jogo com a França.
Aliás, ao escrever a palavra "sequela", outro problema à vista: ameaçam
nova reforma ortográfica, a quinta ou
sexta que atravessa minhas mal traçadas linhas.
O trema será abolido; daí que não
precisarei tremer quando escrever certas palavras como sequela, que, no
momento, não sei se tem ou não tem
trema. Preguiça de consultar o Aurélio, cujo nome parece que manterá o
acento.
Enfim, com tantos e tais problemas,
o Brasil é um país que poderia ser do
"mais". Ledo e ivo engano! Quanto
mais o Brasil se torna alguma coisa,
percebo que há nele o mesmo e o menos.
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