São Paulo, segunda, 20 de julho de 1998

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Fazer mais, falar menos



A sociedade precisa se articular para permitir ao governo investir mais na instrução primária e secundária
EDEMAR CID FERREIRA

No planeta globalizado, a militância ideológica está sendo substituída pela cidadania, para cujo exercício educação, saúde, segurança e meio ambiente são prioritários -como têm mostrado, em seus governos, Tony Blair, no Reino Unido, Lionel Jospin, na França, e Bill Clinton, nos EUA. Não é sensato lutar contra a globalização, em que prevalece o princípio segundo o qual conviver não é antônimo de competir.
Neste mundo, o primado é do indivíduo, mas não do individualismo, pois a condição primeira da cidadania é a plena consciência dos direitos e o cumprimento responsável dos deveres.
Para sobreviver e conviver, cada um precisa saber mais e fazer melhor, duas tarefas para cujo cumprimento é fundamental dispor de um excelente ensino básico.
Na economia sem fronteiras, educação é gênero de primeira necessidade. Foi-se o tempo da disputa pela mão-de-obra mais barata. Hoje, a luta é pela mão-de-obra mais qualificada. O trabalhador alienado do processo de produção é uma figura perdida no passado. O operário do presente sabe o que faz e a que se destina o que faz.
Entrar nessa competição seletiva significa que a sociedade brasileira precisa se articular para permitir ao governo investir com mais conforto na instrução primária e secundária.
Como a educação superior não pode ser relegada a segundo plano -e embora o empresariado brasileiro ainda não esteja plenamente consciente desse dever-, cabe também à empresa privada exercer o papel fundamental de investir na excelência do ensino universitário.
A recente greve dos docentes deu a oportunidade de expor à luz de estatísticas a realidade da educação brasileira, com dados que não é mais possível omitir. O mais grave: segundo o próprio Ministério da Educação, o Brasil é vice-campeão de analfabetismo na América Latina. Da nossa população, 16% não sabe ler nem escrever, número 0,9 ponto percentual inferior ao registrado na Bolívia, que ocupa o primeiro lugar nesse trágico campeonato.
O Brasil tem três vezes mais iletrados do que o Chile (4,8%), quatro vezes mais do que a Argentina (3,8%) e cinco vezes mais do que o Uruguai (2,7%).
A explicação emerge das mesmas estatísticas do MEC: o Brasil investe 75% dos já escassos recursos da educação em ensino superior, destinando o quarto restante ao ensino básico.
Tal situação é oposta à do Chile, onde 70% das verbas vão para os primeiros níveis da escolaridade. A Coréia do Sul, com índice de analfabetismo de 4%, gasta 90% de seus recursos para instrução pública no ensino básico.
O custo médio anual de um estudante de universidade pública no Brasil é de US$ 9.500. Em qualquer lugar no mapa-múndi encontram-se países que, gastando menos, dispõem de um ensino superior melhor: na França, cujo ensino superior é admirado no mundo inteiro, o custo é de US$ 6.200 anuais.
A média na universidade brasileira é de cinco alunos por funcionário; na européia, de 20 por 1. Correndo o risco de ser acaciano, infere-se que nesses países se pode gastar menos com o ensino superior, com proveito máximo, porque se gasta mais e melhor no ensino básico primário e secundário...
Salta aos olhos a necessidade de o governo promover, com urgência, uma reforma que reordene os recursos dirigidos ao ensino básico e superior.
Se para fazê-lo há evidentes dificuldades de ordem política e jurídica, a saída fica, na certa, na participação direta da comunidade: no âmbito da economia globalizada, instrução e competência, repito, são os meios por excelência pelos quais se formam, se afirmam e se irradiam a noção e o sentimento da cidadania em sua dimensão mais radicalmente crítica.
Eleito no primeiro turno de 1994 em nome de mudanças essenciais à inserção do Brasil no mundo contemporâneo, o presidente Fernando Henrique Cardoso tem feito o possível para promover as reformas de que o Brasil precisa para esse fim. Na educação, conta com a ajuda firme e competente de seu ministro Paulo Renato Souza.
Não se avançará mais, contudo, se o apoio ao projeto do presidente, manifestado nas urnas, não se traduzir em atos por meio dos quais a sociedade -inclusive e sobretudo empresários- diga concretamente o que espera, o que quer e o que pode fazer. Se não há democracia sem ampla participação, é preciso que a consciência se mobilize e se encarne em ação.
Nesse sentido, a empresa que dirijo acaba de firmar convênio com a Universidade de Oxford, por cinco anos, fornecendo bolsas para pós-doutorandos completarem sua formação na Grã-Bretanha e trazendo seus mestres para seminários em São Paulo. Embora singelo, não deixa de ser um modo de tentar romper o círculo vicioso em que, quanto mais se fala, menos se faz.



Edemar Cid Ferreira, 55, economista, é presidente do Banco Santos, membro do Conselho Nacional de Cultura e comissário-geral da Exposição de Artes Visuais dos 500 Anos do Brasil.





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