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Miséria moral
Declarações de Lula sobre "denuncismo" da mídia revelam o gênero das alianças de que o projeto político petista depende
PRIMEIRO a prática, depois
a teoria. O presidente Lula e o PT não têm feito segredo dos compromissos
que os vinculam, hoje em dia, ao
ex-presidente José Sarney -para nada dizer das relações cordiais que mantêm com Fernando Collor de Mello.
Adversários históricos, todos
se conciliam em torno de um objetivo que só na aparência corresponde à desgastada tese da
"governabilidade".
Em pauta, acima de tudo, está
o interesse lulista de garantir o
apoio do PMDB à candidatura
Dilma Rousseff. Provêm dessa
penosa circunstância, como se
sabe, as cenas de hesitação eventual e de governismo explícito
que dividem a bancada petista no
Senado. É como se não houvesse
nada de mais incômodo, no momento, do que discutir a ética na
política -assunto que, no passado, constituía uma constante na
retórica do partido.
O pragmatismo lulista vai seguindo seu curso habitual. Nada
de novo haveria a assinalar neste
tópico, não tivesse o presidente
da República oferecido, em recente entrevista a uma emissora
de rádio do Rio, estranhas justificações teóricas para o espetáculo
que protagoniza.
Em meio a nebulosas considerações sobre a qualidade dos times brasileiros de futebol e sobre os peixes que cria num lago
do Palácio da Alvorada, Lula recorreu a um exemplo histórico
para condenar o que chamou de
"denuncismo".
"Eu estava lembrando o seguinte", disse Lula. "Este país teve um presidente que governou
com mão dura durante 15 anos,
chamado Getúlio Vargas (...) esse
homem, em quatro anos de democracia, foi levado ao suicídio
porque era chamado de ladrão
todos os dias".
Num vertiginoso retrospecto,
Lula relembrou outros casos de
"denuncismo", coroando suas
considerações com uma referência casual: "depois foi o Collor".
Nada como uma ditadura, portanto, para proteger governantes
de denúncias. É esta, sem dúvida,
a única conclusão cabível da referência feita pelo presidente ao
período de "mão dura" do Estado
Novo.
Não é certamente o caso de
atribuir peso excessivo a mais
uma das incontáveis infelicidades verbais de Lula. Sinais de
tentação autoritária, comuns
tanto à direita quanto à esquerda
sul-americana, mostram-se menos presentes no Brasil do que
em outros países do continente.
Persiste, entretanto, a renitente disposição governista de atacar a imprensa, cada vez que se
desvelam os abusos dos poderosos de plantão.
A crítica lulista ao "denuncismo" não é nova. Mas que se faça
o elogio da repressão ditatorial
varguista, e que se chegue ao
ponto de lembrar o impeachment de Collor como exemplo
dos possíveis perigos das mobilizações da opinião pública, é algo
que revela, lamentavelmente, a
miséria moral do petismo -e o
tipo de companhias de que depende para a continuidade de
seu projeto de poder.
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