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TENDÊNCIAS/DEBATES
Redistribuir o tempo de trabalho
MARCIO POCHMANN
Juntas, as jornadas de trabalho material e imaterial resultam em carga horária anual próxima daquelas exercidas no século 19
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"O tempo não para. Eu vejo o futuro repetir o passado"
(Cazuza)
A VANÇOS técnico-científicos
deste começo de século criam
nas sociedades modernas condições superiores para a reorganização econômica e trabalhista.
De um lado, o aparecimento de novas fontes de geração de riqueza, cada
vez mais deslocadas do trabalho material, impõe saltos significativos de
produtividade. Isso porque o trabalho
imaterial liberta-se da existência prévia de um local apropriado para o seu
desenvolvimento, conforme tradicionalmente ocorre em fazendas, indústrias, canteiros de obras, escritórios e
supermercados, entre tantas outras
formas de organização econômica assentadas no trabalho material.
Com a possibilidade de realização
do trabalho imaterial em praticamente qualquer local ou horário, as jornadas laborais aumentam rapidamente,
pois não há, ainda, controles para
além do próprio local de trabalho.
Quanto mais se transita para o trabalho imaterial sem regulação (legal
ou negociada), maior tende a ser o
curso das novas formas de riqueza
que permanecem -até agora- praticamente pouco contabilizadas e quase nada repartidas entre trabalhadores, consumidores e contribuintes
tributários.
Juntas, as jornadas de trabalho material e imaterial resultam em carga
horária anual próxima daquelas exercidas no século 19 (4.000 horas).
Em muitos casos, começa a haver
quase equivalência entre o tempo de
trabalho desenvolvido no local e o
realizado fora dele. Com o computador, a internet, o celular, entre outros
instrumentos que derivam dos avanços técnico-científicos, o trabalho
volta a assumir maior parcela no tempo de vida do ser humano.
De outro lado, a concentração das
ocupações no setor terciário das economias. No Brasil, 70% das novas
ocupações abertas são nesse setor.
Para esse tipo de trabalho, o ingresso deveria ser acima dos 24 anos de
idade, após a conclusão do ensino superior, bem como acompanhado simultaneamente pela educação para
toda a vida.
Com isso, distancia-se da educação
tradicional, voltada para o trabalho
material, cujo estudo atendia sobretudo crianças, adolescentes e alguns
jovens. Tão logo concluído o sistema
escolar básico ou médio, iniciava-se
imediatamente a vida laboral sem
mais precisar abrir um livro ou voltar
a frequentar a escola novamente.
Para que os próximos anos possam
representar uma perspectiva superior à que se tem hoje, torna-se necessário mudar o curso originado no passado. Ou seja, o desequilíbrio secular
da gangorra social.
Enquanto na ponta alta da gangorra estão os 10% mais ricos dos brasileiros, que concentram três quartos
de toda a riqueza contabilizada ("Os
Ricos no Brasil", Cortez, 2003), há
apenas 6% da população que responde pela propriedade dos principais
meios de produção da renda nacional
("Proprietários: Concentração e Continuidade", Cortez, 2009).
Em contrapartida, a ponta baixa da
gangorra acumula o universo de excluídos ("Atlas da Exclusão Social no
Brasil", Cortez, 2004), que se mantêm historicamente prisioneiros de
brutal tributação a onerar fundamentalmente a base da pirâmide social.
No mercado nacional de trabalho
também residem mecanismos de
profundas desigualdades, como no
caso da divisão do tempo de trabalho
entre a mão de obra.
Em 2007, por exemplo, a cada 10
trabalhadores brasileiros, havia 1 com
jornada zero de trabalho (desempregado) e quase 5 com jornadas de trabalho superiores à jornada oficial
(hora extra). Além disso, 4 em cada
grupo de 10 trabalhadores tinham
jornadas de trabalho entre 20 e 44 horas semanais, e 1 tinha tempo de trabalho inferior a 20 horas por semana.
O pleno emprego da mão de obra
poderia ser alcançado no Brasil a partir de uma nova divisão das jornadas
de trabalho, desde que mantido o nível geral de produção.
A ocupação de mais trabalhadores e
a ampliação do tempo de trabalho dos
subocupados poderia ocorrer simultaneamente à diminuição da jornada
oficial de trabalho e do tempo trabalhado acima da legislação oficial (hora
extra).
Com redistribuição do tempo de
trabalho o reequilíbrio da gangorra
social, torna-se possível.
MARCIO POCHMANN, 47, economista, é presidente do
Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp.
Foi secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo (gestão Marta Suplicy).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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