São Paulo, sexta-feira, 20 de setembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A educação entre promessas e sonhos

ARNALDO NISKIER

Como é natural, os quatro principais candidatos à Presidência da República prometem mundos e fundos para o aperfeiçoamento da educação, nos seus quatro anos de mandato. Não há exatamente preocupação se tudo caberá nesse período, relativamente curto, muito menos se haverá recursos financeiros para tantos sonhos. Como estes ainda não pagam impostos, ninguém será punido se boa parte das promessas ficar na saudade. Não foi sempre assim?
Exemplo curioso é o do ensino médio. De repente, virou moda, na campanha. É certo que o número de alunos cresce em progressão geométrica, revelando interesse inusitado. Estamos perto dos 9 milhões de jovens, que se formarão para um mercado de trabalho retraído. Consequência natural da política econômica de um governo que cita sempre JK, mas na prática está a quilômetros de distância do que realizou o criador de Brasília. Fernando Henrique Cardoso deixará o governo devendo aproximadamente 3 milhões de empregos à nossa sociedade. Injustificável.
Repito: sonhar não custa. Por iniciativa da Fiesp, do CIEE (Centro de Integração Empresa-Escola) e da revista "Sentidos", coordenei um encontro sobre as propostas do próximo governo federal para a educação, inclusão social e preparação de recursos humanos para o mercado de trabalho. Foram enviados representantes de alto nível dos candidatos, resultando num debate extremamente oportuno e rico em sugestões.
Algumas das idéias serão aqui tratadas. Quem sabe, assim, poderão se transformar em compromissos de execução. A primeira delas refere-se à empregabilidade com qualificação, o que depende da educação. Lembrou-se que, sob esse aspecto, deve-se respeitar o trabalho do "sistema S", que já formou milhões de jovens para o complexo mercado de trabalho brasileiro. Como não se pode deixar de considerar, de forma positiva, os milhares de estágios proporcionados pelo CIEE, nesse processo. Mas é preciso mais, retirando da nossa educação qualquer laivo de elitização.
Não pode dormir tranquila uma nação que tem 15 milhões de analfabetos puros e mais de 30 milhões de analfabetos funcionais. De que modo o mercado de trabalho poderá absorver essa mão-de-obra, assim desqualificada, se as exigências do desenvolvimento científico e tecnológico são cada vez maiores?


Há um enorme abismo entre ricos e pobres em matéria de educação. Diferença que a quantidade não resolve


No país das desigualdades, há um enorme abismo entre ricos e pobres em matéria de educação. Diferença que a quantidade não resolve. Universalizar sem dar qualidade à educação tem pouco efeito sobre a nossa competitividade. Tem-se feito muito pouco para melhorar o trabalho dos professores e especialistas, no país inteiro. Precisam ser mais bem formados, treinados, atualizados e remunerados de forma compatível com a dignidade humana.
Mesmo com a criação do Fundef, que foi um avanço, estamos longe de uma solução à altura do problema. Até porque 20% das nossas prefeituras aplicaram equivocadamente os recursos do fundo, para não proclamar outra coisa.
Aliás, vale a pena registrar que o programa de distribuição de livros (uma iniciativa louvável) teve incríveis tropeços, como o próprio reconhecimento do MEC de que um terço de 60 milhões de livros do programa Literatura em Casa jamais foi entregue aos alunos. Quem fiscaliza isso, que é proveniente do dinheiro público?
Deseja-se que 20% das crianças que se encontram nas escolas públicas alcancem o sonhado tempo integral. Mas não se afirmou como. A realidade é que faltam professores em quase todas as unidades da Federação. Se não são abertos concursos, qual é a mágica que se prevê?
Foi citada a sugestão de cursinhos pré-vestibulares gratuitos para alunos carentes. Idéia altamente discutível, pois o que se deseja é o aperfeiçoamento da educação básica. O cursinho é um desvio dessa preocupação e poderá servir como facilitário indesejável. Deseja-se que os recursos para educação subam de R$ 66 bilhões para R$ 93 bilhões ao ano, criando a possibilidade de evitar os malefícios da reprovação e da evasão.
Pensou-se num programa de valorização dos professores, na doação de livros para alunos de nível médio, na ampliação da nossa escolaridade de seis para 12 anos, na unificação da gestão dos recursos humanos na educação, nos cuidados com a universidade pública (hoje, sucateada), no fortalecimento das escolas técnicas federais, na ampliação da assistência ao pré-escolar (mais 4 milhões de vagas), na maior atenção aos alunos deficientes, na maior participação dos empresários no processo de ensino/aprendizagem e numa articulação mais adequada entre os ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia.
Algumas idéias parecem sonhos. Muitas outras não. Dependem só da vontade política dos que detiverem o poder.


Arnaldo Niskier, 67, educador, é membro da Academia Brasileira de Letras e Conselheiro do Imae (Instituto Metropolitano de Altos Estudos).



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