São Paulo, segunda-feira, 20 de novembro de 2006

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

Macunaíma 2º

SÃO PAULO - Lula foi reeleito demonizando o conservadorismo liberal e privatista do adversário tucano. Vendeu o crescimento que não entregou no primeiro mandato como bandeira do segundo. O jogo nem começou e já está claro que o presidente mais uma vez blefava.
Ninguém no governo sabe como fazer para crescer 5% ao ano. E o que nos chega agora dos corredores do poder são discussões preocupadas sobre a necessidade de cortar gastos, estancar o déficit da Previdência, ampliar a fatia das receitas da União que não precisa ser destinadas à saúde e à educação etc.
Está configurado o cenário para mais um estelionato. Em 2003, Lula e o PT também não tinham idéia do que fazer com o país. O conservadorismo econômico refletiu menos uma estratégia convicta de governo do que um esforço de autopreservação no poder. E foi o crescimento pífio decorrente dessa política levada com a barriga que, ironicamente, acabou amplificando os efeitos distributivos do aumento do salário mínimo e do bolsa-esmolão.
O abismo entre o que o candidato promete e o eleito realiza não é uma invenção deste governo. Quase sempre a política funciona assim. No caso de Lula, porém, esse descompasso revela uma questão de fundo: o presidente é um Macunaíma -ou Zelig, o homem-camaleão, conforme a boa definição do jornalista Merval Pereira em coluna no jornal "O Globo" desta semana.
Esperto e instintivo, Lula dá a impressão de sempre estar a serviço de si mesmo. Personalidade errática e sem convicções, é capaz de se adaptar com desenvoltura ímpar a qualquer situação e de agradar às mais diferentes platéias. Ele não arbitra conflitos -os dissolve, sem resolvê-los, na cordialidade brasileira, entendida, conforme quis Sérgio Buarque, como tradução do personalismo e das relações de favor.
Lula, "o presidente de todos", é hoje menos o portador da esperança e muito mais o fiador político do equilíbrio instável sobre o qual repousam as iniqüidades do país.


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