São Paulo, terça-feira, 20 de novembro de 2007

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MARCOS NOBRE

A cor da consciência

A CONSCIÊNCIA negra é comemorada hoje em muitas cidades brasileiras. Seu significado é o de dizer que a raiz do preconceito e da discriminação está na imposição duradoura de uma cultura excludente e intolerante.
O anti-racismo tem diferentes respostas para o que deve ser a consciência negra. O fomento da cultura negra pode significar uma polarização política intransigente com a cultura dominante para se colocar em bloco como alternativa a ela. Como pode significar que a disputa é para transformar essa cultura dominante de tal maneira que ela seja obrigada a reconhecer e incluir negras e negros como protagonistas da história brasileira.
Os argumentos das duas posições são convincentes. Para combater uma cultura secular de exclusão pode ser que não haja outro caminho senão o confronto em bloco.
Como pode ser possível que haja espaço para impor o reconhecimento e a tolerância como critérios fundamentais de uma cultura compartilhada.
É uma decisão política estratégica optar por um caminho ou por outro. Em qualquer dos casos, o decisivo é a definição do que significa ser negro no Brasil. E cada posição propõe uma visão diferente do que seja a identidade negra.
O importante nessa discussão é que não se parta de definições prévias. Cabe aos próprios agentes desse processo encontrar as suas respostas e a maneira de fazê-las valer na discussão pública e na ação política.
Um instrumento importante para isso é o direito. Traduzir a consciência negra em direitos reconhecidos faz das normas jurídicas plataformas para transformações sociais. Mas, se a aprovação de novas leis é um importante começo, fazê-las valer é um processo longo e complexo. Também os tribunais são um espaço de disputa pelo sentido da lei. A aplicação de uma norma não é evidente por si mesma.
Como também não são óbvias e previsíveis as interpretações que surgirão do debate público e da disputa política.
Por isso mesmo é desejável que as leis atualmente em debate, principalmente o Estatuto da Igualdade Racial, procurem deixar o máximo possível aberta a definição da identidade negra. Quanto mais limitados os parâmetros legais, tanto mais estreitas as opções para as disputas políticas que se iniciam com a aprovação de uma lei. E tanto mais estreito o espaço para que essa identidade seja construída pelos agentes, tanto mais estreito o espaço para interpretações inovadoras e imprevistas.
Porque não apenas a consciência negra são muitas. Também o racismo a ser combatido tem sempre muitas e novas caras.


MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.


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