São Paulo, sábado, 20 de novembro de 2010

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

"Tropa de Elite" pelo avesso

SÃO PAULO - Capitão Nascimento esfrega o rosto do jovem estudante no peito ensanguentado do traficante que acabou de matar. Puxa o garoto pelo cabelo e dispara:
"Quem matou esse cara foi você, seu merda! É você que financia essa merda aqui! Seu maconheiro, seu merda! A gente vem aqui para desfazer a merda que você faz!".
Essa é uma das cenas mais emblemáticas de "Tropa de Elite", o primeiro. Seu equivalente em "Tropa de Elite 2" talvez seja a surra épica que coronel Nascimento dá no secretário da Segurança Pública, tipo que encarna o político corrupto.
Entre um esculacho e outro, há uma inversão de perspectiva: no primeiro filme, quem sai desmoralizada é a mentalidade progressista. São os estudantes, que exercitam, por meio de uma ONG na favela, suas boas intenções sociais, mas que alimentam, ao mesmo tempo, a cadeia do tráfico, consumindo e fazendo o pequeno comércio de maconha e cocaína na universidade. "Tropa 1" denuncia a cumplicidade entre a polícia corrupta e o esquerdismo chic de certa classe média.
Em "Tropa 2", a responsabilidade se desloca e a culpa se dilui numa categoria ao mesmo tempo abrangente e abstrata -ela agora "é do sistema". Nascimento repete o mantra típico da antiga esquerda.
O filme, de início, opõe o policial durão ao intelectual militante dos direitos humanos. O desenvolvimento do enredo, no entanto, vai dissipando a clivagem entre direita e esquerda, até colocá-los lado a lado, numa luta do bem contra o mal, combatendo contra "o sistema".
Do tráfico para a corrupção, dos traficantes para as milícias, dos estudantes para o poder político -os vilões mudaram. José Padilha 2 parece prestar contas à patrulha que acusava "Tropa" de "fascismo".
O revisionismo operado pelo diretor, no entanto, não resulta num filme ruim, pelo contrário, nem abala a identificação profunda do público com a figura truculenta de Nascimento, um policial torturador e psicopata, porém honesto.


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