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TENDÊNCIAS/DEBATES
A relação entre PT e PMDB no Legislativo será conflituosa durante o governo Dilma?
NÃO
Disputa faz parte do jogo
CLÁUDIO GONÇALVES COUTO
Política é luta. Isso é assim porque a atividade política corresponde à disputa pelo exercício do poder sobre uma dada coletividade.
Caso se trate da luta política no
âmbito de um microcosmo da sociedade, como um diretório estudantil, uma associação empresarial
ou uma universidade, a contenda
será pelo controle e pelo direcionamento daquela organização, já que
se visa agir sobre aquela coletividade específica sob os seus auspícios.
Vale notar que os membros de organizações como essas têm uma série de interesses em comum -o que
justamente os leva a integrá-las-,
mas, mesmo assim, eles competem
entre si, não só porque possuem entendimentos distintos sobre os rumos a serem seguidos mas também
pelo mero desejo de ocupar posições de poder.
Por isso mesmo, seria ingenuidade esperar que, no âmbito das relações políticas mais amplas, que visam o Estado, não houvesse tensões -mesmo entre aliados.
No interior de um partido político eleitoralmente vitorioso, são
previsíveis os conflitos entre seus
diversos membros, alas e frações,
visando influenciar o futuro governo e ocupar posições de poder. E isso ocorre apesar de os atores políticos em conflito pertencerem a uma
mesma agremiação, visando interesses comuns e lutando conjuntamente pela vitória eleitoral.
Pode-se afirmar que, apesar de
serem sócios da mesma empreitada
comum, não deixam de ser indivíduos e agrupamentos com interesses próprios -os quais não pretendem sacrificar em prol do objetivo
coletivo para além de certo limite.
Não é à toa que, no atual processo
de formação do novo governo, o
presidente do PT já tenha ouvido de
membros de seu partido queixas de
que não estariam sendo escutados
pela equipe de transição.
Se isso é verdadeiro para a vida
política no interior de uma mesma
agremiação, o que não dizer da relação entre aliados de partidos distintos? As atuais escaramuças entre
PMDB e PT são, portanto, conflitos
naturais entre aliados políticos
num processo de distribuição do
poder governamental e parlamentar no interior de uma aliança.
Se considerarmos a história recente de nosso presidencialismo de
coalizão, veremos que tais embates
foram frequentes -e isso não implicou necessariamente a ruptura das
alianças, ao menos durante a maior
parte dos governos.
Foi assim na relação entre PMDB
e PFL no governo Sarney, entre
PSDB e PFL no governo Fernando
Henrique Cardoso e entre PT e
PMDB durante o governo Lula. Não
haveria qualquer motivo para que
tudo se tornasse calmo e modorrento daqui para a frente.
O fato de ser o PT um partido com
propensão hegemônica, preponderante na distribuição de cargos ministeriais nos últimos oito anos
(apesar do peso distinto das várias
pastas), que cresceu nas últimas
eleições (em particular na Câmara)
e que tentou monopolizar a equipe
de transição, alertou o PMDB.
Portanto, faz todo o sentido, como estratégia dissuasiva, o anúncio (ou ameaça) da formação de um
megabloco parlamentar, visando
refrear os ímpetos petistas no Congresso e na formação do ministério.
Daí a supor que os dois partidos viverão conflagrados durante a próxima gestão, e que isso poderá inviabilizar o governo Dilma, vai uma
grande distância.
Aliás, é de se esperar que essa
tensão não se restrinja à dupla
PMDB-PT, mas se espraie por toda a
coalizão. O PSB, particularmente, é
outro partido que saiu engrandecido das eleições de 2010 e que deverá pressionar por uma ampliação
de seu quinhão no governo, acotovelando os parceiros.
Vale notar que tais disputas entre coligados têm efeito positivo
num regime democrático: geram limites à concentração e ao abuso do
poder no interior da própria coalizão governista, para além de qualquer contribuição prestada pela
oposição.
CLÁUDIO GONÇALVES COUTO, cientista político, é
professor do Departamento de Gestão Pública da
Fundação Getulio Vargas (SP).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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