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ANTONIO DELFIM NETTO
Demanda global
e crescimento
No limiar de 2004, a economia
brasileira parece contar com as
condições suficientes para iniciar um
processo de crescimento. A situação
interna melhorou graças às enérgicas
e bem-sucedidas políticas monetária e
fiscal postas em prática no início do
governo Lula, quando o tumulto sucessório parecia que iria pôr a perder o
controle da inflação. A enorme vulnerabilidade externa construída ao longo dos oito anos cobrou, em 2002, um
preço exagerado quando encurtou o
crédito externo à economia brasileira.
Produziu um "overshooting" da taxa
cambial que não apenas ameaçou o
controle da inflação mas acentuou os
inconvenientes da estruturação de
boa parte da dívida referida a dólares.
A situação está mudando graças à habilidade com que o Tesouro tem refinanciado a dívida e melhorado a sua
estrutura.
Tudo o mais mudou também! O crédito externo foi restabelecido. O mercado cambial acalmou-se, revelando,
com sua cotação atual, o pouco que o
famoso "mercado" é capaz de antecipar corretamente em matéria de taxa
de câmbio (em janeiro de 2003, ele esperava R$ 3,15/US$ 1 para dezembro).
O Banco Central tem reduzido a taxa
Selic -talvez um pouco mais avaramente do que seria necessário. A política fiscal confirmou a decisão de realizar, não por capricho, mas por necessidade aritmética, um superávit
primário de 4,5% do PIB. Fez-se uma
reforma tributária ("um quarto de sola") e uma reforma da Previdência Social ("meia-sola"). Aprovou-se, na Câmara, a lei de recuperação das empresas (Lei de Falências), um primeiro
passo das reformas microeconômicas.
Infelizmente ainda não andamos bem
no enfrentamento do problema das
agências reguladoras...
Esse quadro favorece uma volta ao
crescimento e, em seguida, uma redução da taxa de desemprego em 2004.
Crescimento nulo e aumento do desemprego foi o custo cobrado em 2003
para trazer de volta aos trilhos a economia, que estava descarrilando no
triste final de 2002.
Alguns observadores têm chamado
a atenção para o fato de que o crescimento em 2004 será derivado apenas
do crescimento da demanda estimulada pelo crédito e pelas exportações e
que, em breve, a demanda global encontrará a capacidade produtiva ocupando o espaço disponível se não
houver uma resposta dos investimentos. Isso é verdade, mas não é novidade. Ao contrário do que alguns pensam, é sempre assim: o "espírito animal" dos empresários os leva a investir apenas quando antecipam um aumento de demanda!
É preciso compreender que o crescimento é uma corrida entre a demanda
global e a oferta global (isto é, a capacidade produtiva instalada) e que ele se
realiza e se perpetua quando os empresários antecipam aumentos da demanda interna e externa que incorporam bons lucros no futuro. As reformas microeconômicas não são o desenvolvimento. Elas têm a função de
facilitar e de lubrificar a manifestação
do "espírito animal" dos empresários
despertado pela demanda. Algum dia
ainda vamos relembrar com saudades
as velhas lições de Michal Kalecki e Nicholas Kaldor...
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
dep.delfimnetto@camara.gov.br
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