São Paulo, quarta-feira, 21 de janeiro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANTONIO DELFIM NETTO

Demanda global e crescimento

No limiar de 2004, a economia brasileira parece contar com as condições suficientes para iniciar um processo de crescimento. A situação interna melhorou graças às enérgicas e bem-sucedidas políticas monetária e fiscal postas em prática no início do governo Lula, quando o tumulto sucessório parecia que iria pôr a perder o controle da inflação. A enorme vulnerabilidade externa construída ao longo dos oito anos cobrou, em 2002, um preço exagerado quando encurtou o crédito externo à economia brasileira. Produziu um "overshooting" da taxa cambial que não apenas ameaçou o controle da inflação mas acentuou os inconvenientes da estruturação de boa parte da dívida referida a dólares. A situação está mudando graças à habilidade com que o Tesouro tem refinanciado a dívida e melhorado a sua estrutura.
Tudo o mais mudou também! O crédito externo foi restabelecido. O mercado cambial acalmou-se, revelando, com sua cotação atual, o pouco que o famoso "mercado" é capaz de antecipar corretamente em matéria de taxa de câmbio (em janeiro de 2003, ele esperava R$ 3,15/US$ 1 para dezembro). O Banco Central tem reduzido a taxa Selic -talvez um pouco mais avaramente do que seria necessário. A política fiscal confirmou a decisão de realizar, não por capricho, mas por necessidade aritmética, um superávit primário de 4,5% do PIB. Fez-se uma reforma tributária ("um quarto de sola") e uma reforma da Previdência Social ("meia-sola"). Aprovou-se, na Câmara, a lei de recuperação das empresas (Lei de Falências), um primeiro passo das reformas microeconômicas. Infelizmente ainda não andamos bem no enfrentamento do problema das agências reguladoras...
Esse quadro favorece uma volta ao crescimento e, em seguida, uma redução da taxa de desemprego em 2004. Crescimento nulo e aumento do desemprego foi o custo cobrado em 2003 para trazer de volta aos trilhos a economia, que estava descarrilando no triste final de 2002.
Alguns observadores têm chamado a atenção para o fato de que o crescimento em 2004 será derivado apenas do crescimento da demanda estimulada pelo crédito e pelas exportações e que, em breve, a demanda global encontrará a capacidade produtiva ocupando o espaço disponível se não houver uma resposta dos investimentos. Isso é verdade, mas não é novidade. Ao contrário do que alguns pensam, é sempre assim: o "espírito animal" dos empresários os leva a investir apenas quando antecipam um aumento de demanda!
É preciso compreender que o crescimento é uma corrida entre a demanda global e a oferta global (isto é, a capacidade produtiva instalada) e que ele se realiza e se perpetua quando os empresários antecipam aumentos da demanda interna e externa que incorporam bons lucros no futuro. As reformas microeconômicas não são o desenvolvimento. Elas têm a função de facilitar e de lubrificar a manifestação do "espírito animal" dos empresários despertado pela demanda. Algum dia ainda vamos relembrar com saudades as velhas lições de Michal Kalecki e Nicholas Kaldor...


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

dep.delfimnetto@camara.gov.br


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: O ministro-monstro
Próximo Texto: Frases

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.