São Paulo, segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

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Precedente perigoso

Advogados da União, que recebem cerca de R$ 11 mil em início de carreira, abrem a temporada de greves de 2008

A DECISÃO tomada em outubro último pelo Supremo Tribunal Federal de equiparar as greves no setor público às normas em vigor para a esfera privada não desencorajou servidores da União a cruzarem os braços.
Os advogados e procuradores da Advocacia Pública Federal acabam de abrir a temporada de 2008. Estão em greve "por tempo indeterminado" para pressionar por um aumento de seus vencimentos. Exigem um reajuste de 30% até 2009, com o qual o governo já havia concordado antes da extinção da CPMF.
Detalhe importante: esses cerca de 11 mil servidores representam um grupo altamente privilegiado dentro da folha de pagamento da União. Recebem mais de R$ 11 mil mensais em início de carreira, quase sete vezes a atual média da administração direta.
O Ministério do Planejamento havia sugerido que a questão voltasse a ser discutida no final de fevereiro, mas, após o fim da CPMF, teve de suspender quaisquer idéias de conceder aumentos que pudesse nutrir.
Com a paralisação, os advogados da União, procuradores da Fazenda e do Banco Central, mesmo que acatem o princípio de não suspender inteiramente as atividades, deixam juridicamente desguarnecidos os órgãos do Estado a que pertencem, com risco de prejuízos ao patrimônio público. No caso dos quase 4.000 defensores públicos, quem sai prejudicada é a população mais pobre, que não tem dinheiro para contratar um advogado.
Se o governo é circunstancialmente vítima dos grevistas, ele é de certo modo o maior cúmplice por seu incrível imobilismo.
Prometeu reiteradamente enviar ao Congresso -e não o fez- projeto que regulamentaria as greves dos servidores civis. É necessário, por exemplo, definir mecanismos de negociação e garantir que a greve só seja usada como último recurso. Do jeito que está, ela converteu-se numa forma perversa pela qual servidores queimam etapas e chantageiam o poder público.
O lamentável é que as centrais sindicais, que têm afinidades políticas e biográficas com os atuais governantes, pressionam para que permaneça engavetada a regulamentação da matéria, que, embora exigida pela Constituição, já acumula um atraso de 19 anos. E o Executivo se curva a essas pressões. Sem normas precisas, prevalece o vale-tudo que beneficia interesses cartoriais.
O STF, procurando preencher a omissão, fixou regras que podem levar à suspensão do pagamento dos grevistas. Mas este não é um procedimento automático. Nada impede que servidores obtenham judicialmente o "direito" de continuar a receber, o que já seria um escândalo por qualquer ângulo que se analise.
Essa forma de pressão sem riscos é no Brasil uma das singularidades tragicômicas nas relações de trabalho entre o poder público e o funcionalismo.
A atual greve tende a ser exemplar, no mau sentido. Outros grupos de servidores federais aguardam seu desfecho para também aderir à farra das paralisações. Se o governo ceder, abrirá um precedente perigoso.


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