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Precedente perigoso
Advogados da União, que recebem cerca de R$ 11 mil em início de carreira, abrem a temporada de greves de 2008
A DECISÃO tomada em
outubro último pelo
Supremo Tribunal Federal de equiparar as
greves no setor público às normas em vigor para a esfera privada não desencorajou servidores
da União a cruzarem os braços.
Os advogados e procuradores
da Advocacia Pública Federal
acabam de abrir a temporada de
2008. Estão em greve "por tempo indeterminado" para pressionar por um aumento de seus
vencimentos. Exigem um reajuste de 30% até 2009, com o qual o
governo já havia concordado antes da extinção da CPMF.
Detalhe importante: esses cerca de 11 mil servidores representam um grupo altamente privilegiado dentro da folha de pagamento da União. Recebem mais
de R$ 11 mil mensais em início de
carreira, quase sete vezes a atual
média da administração direta.
O Ministério do Planejamento
havia sugerido que a questão voltasse a ser discutida no final de
fevereiro, mas, após o fim da
CPMF, teve de suspender quaisquer idéias de conceder aumentos que pudesse nutrir.
Com a paralisação, os advogados da União, procuradores da
Fazenda e do Banco Central,
mesmo que acatem o princípio
de não suspender inteiramente
as atividades, deixam juridicamente desguarnecidos os órgãos
do Estado a que pertencem, com
risco de prejuízos ao patrimônio
público. No caso dos quase 4.000
defensores públicos, quem sai
prejudicada é a população mais
pobre, que não tem dinheiro para contratar um advogado.
Se o governo é circunstancialmente vítima dos grevistas, ele é
de certo modo o maior cúmplice
por seu incrível imobilismo.
Prometeu reiteradamente enviar ao Congresso -e não o fez-
projeto que regulamentaria as
greves dos servidores civis. É necessário, por exemplo, definir
mecanismos de negociação e garantir que a greve só seja usada
como último recurso. Do jeito
que está, ela converteu-se numa
forma perversa pela qual servidores queimam etapas e chantageiam o poder público.
O lamentável é que as centrais
sindicais, que têm afinidades políticas e biográficas com os atuais
governantes, pressionam para
que permaneça engavetada a regulamentação da matéria, que,
embora exigida pela Constituição, já acumula um atraso de 19
anos. E o Executivo se curva a essas pressões. Sem normas precisas, prevalece o vale-tudo que
beneficia interesses cartoriais.
O STF, procurando preencher
a omissão, fixou regras que podem levar à suspensão do pagamento dos grevistas. Mas este
não é um procedimento automático. Nada impede que servidores obtenham judicialmente o
"direito" de continuar a receber,
o que já seria um escândalo por
qualquer ângulo que se analise.
Essa forma de pressão sem riscos é no Brasil uma das singularidades tragicômicas nas relações
de trabalho entre o poder público e o funcionalismo.
A atual greve tende a ser exemplar, no mau sentido. Outros
grupos de servidores federais
aguardam seu desfecho para
também aderir à farra das paralisações. Se o governo ceder, abrirá um precedente perigoso.
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