São Paulo, segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Fantasia plástica

XICO GRAZIANO

O lobby da indústria do petróleo é fortíssimo. E, quase sempre, disfarçado. Oxibiodegradável se chama sua roupa de Carnaval

NADA DE sacolinha plástica. A Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo inovou a campanha Verão Limpo/2008, distribuindo 1 milhão de sacolas retornáveis aos usuários das 295 praias paulistas. Seiscentos monitores e 6.000 vendedores ambulantes estão engajados na campanha. Confeccionadas com fibra de algodão e material reciclado, tais sacolas carregam uma mensagem ambiental ao turista. Jogue limpo na areia.
Questão de coerência. O governo paulista abriu uma frente de luta ecológica contra o uso exagerado do plástico na sociedade. As razões são notórias. O resistente e prático polímero, derivado do petróleo, está emporcalhando o mundo. Estima-se um consumo de 500 bilhões de sacos plásticos por ano, ou seja, 1,5 bilhão por dia ou, ainda, 1 milhão por minuto. Vacas sagradas na Índia morrem engasgadas; aterros sanitários se entopem.
O "mutirão ambiental" consolida uma de nossas estratégias de trabalho. Nesse, como em outros assuntos, é preciso alterar a atitude das pessoas, mudando seu comportamento ambiental. A conscientização da cidadania modifica hábitos de consumo.
Assim, promovemos, em 8 de dezembro passado, um mutirão com o seguinte mote: "Nas compras de Natal, evite a sacola plástica". Foi um sucesso, embora preliminar.
Muitas lojas, especialmente na capital, interessadas em conquistar clientes e agregar novo valor aos seus negócios, informaram que irão substituir suas embalagens de vendas. Rumo ao consumo sustentável.
Na outra ponta, busca-se a produção mais limpa. O governo paulista está prestes a regulamentar a lei estadual de resíduos sólidos. Em decreto, o governador Serra estabelecerá, claramente, a co-responsabilidade das empresas que produzem ou se utilizam de material plástico em seus negócios. Vale para outros resíduos também. A regra é simples: quem produz lixo se obriga a resolver o problema da poluição.
Assim, vai aumentar a reciclagem do plástico. Hoje, boa parte das embalagens de refrigerantes, cerca de 50%, já está sendo reutilizada. A própria indústria se compromete com esse esforço que, evidentemente, não pode mais ficar sob responsabilidade única dos pobres catadores de rua.
Seguindo essa linha, projeto de lei do governo, em elaboração final na Secretaria do Meio Ambiente, visa impedir, no território paulista, a produção e a comercialização de bebidas alcoólicas, especialmente cerveja, em recipientes à base de resina plástica, especialmente o famoso PET (tereftalato de polietileno). Já imaginaram espalhar por aí, atiradas das janelas dos carros, alguns bilhões de garrafas plásticas vazias depois da bebedeira?
Inaceitável.
Quanto às demais bebidas ou produtos variados envasados em garrafas plásticas, imagina-se um prazo, entre seis a dez anos, para serem banidas, suas perniciosas embalagens, do comércio. Certamente ninguém imagina andar para trás. O governo quer ver a evolução das nocivas embalagens por formas menos agressivas ao meio ambiente.
O único plástico verdadeiramente amigo da natureza está chegando ao mercado. Derivados do amido da mandioca, da celulose de eucalipto ou do etanol, os novos materiais biodegradáveis acenam com excelentes perspectivas. Mas a nova tecnologia precisa de apoio, pois o lobby da indústria do petróleo, que sustenta o plástico atual, é fortíssimo. E, quase sempre, disfarçado.
Oxibiodegradável se chama sua roupa de Carnaval, vestida qual fantasia para iludir o povo. Acrescido de componentes químicos tóxicos -catalisadores à base de cádmio e chumbo, entre outros-, o plástico tradicional se esfarela no ambiente, desaparecendo ao olho nu. Parece bom, mas esconde um perigo, conforme alertam os especialistas.
Curiosa mesmo, porém, é a idéia do deputado estadual Sebastião Almeida (PT), que deseja tornar obrigatório -repito, obrigatório- o uso desse controverso plástico. A indústria, multinacional, que fabrica o plástico oxibiodegradável adorou. Evidentemente, recomendei ao governador o veto ao projeto de lei. Divulguei a posição do governo em artigo nesta Folha. Inconformado, o parlamentar esbravejou contra mim. Impingiu-me uma ação popular. A empresa ameaçou me processar. Defendi-me juridicamente. Haja paciência.
Baltasar Gracián dizia que o homem prudente transforma a ojeriza em espelho. Chega de confronto. A Secretaria Estadual do Meio Ambiente vai investir fortemente em educação ambiental. Para que, consciente, a população saiba discernir, ela própria, sobre seu futuro. Melhor dizendo, sobre o futuro da civilização.
Sem engodo plástico.


FRANCISCO GRAZIANO NETO, o Xico Graziano, engenheiro agrônomo, é secretário estadual do Meio Ambiente de São Paulo. Foi presidente do Incra (1995), secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (governo Covas) e chefe do gabinete pessoal da Presidência da República (gestão FHC).

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Marco Antonio Raupp, Jacob Palis Jr. e Luiz Eugênio Araújo de Moraes Mello: Portal da Capes é modelo de acesso à ciência

Próximo Texto: Painel do Leitor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.