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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Impostura
SÃO PAULO - Passeio por uma alameda dos Jardins, sob o clemente sol
deste verão, quando vejo a saudosa
figura, sentada em meio ao contido
rebuliço de um simpático bistrô. Posso notar seu bico imaginário, magnífico, por detrás das páginas do pequeno "Le Monde". O mundo não é mesmo grande, penso eu -e vou ao encontro de meu velho amigo tucano.
Depois de um protocolar "há quanto tempo", ele vai logo à pergunta: "E
então, feliz com o governo que vocês
elegeram?". Meu amigo tucano credita boa parte das agruras passadas
do tucanato ao que ele classifica de
"essa mídia infantilóide" -daí o
"vocês" com que ironicamente me
trata.
"A coisa está feia", retruco, sem
acusar a provocação.
"Feia?! Aquelas barbas impolutas
colocam uma verdadeira bomba de
efeito imoral em pleno Palácio do
Planalto e você diz que a coisa está
feia? É um escândalo, mon ami, um
es-cân-da-lo."
"Es-cân-da-lo!", eu repito, para que
não restem dúvidas. Ele prossegue:
"E a Marilena Chaui? O que é
aquilo? Mon Dieu! Tudo é uma grande hipocrisia. Só resta cuidar da vida. Reduzir danos. Chega de ilusão".
A conversa foi adiante, variando
sobre o mesmo tema. Despedimo-nos
e fiquei pensando sobre a hipocrisia,
essa velha companheira da humanidade. Necessária à vida em pequenas
doses, à política é indispensável. E
como aclimata-se bem à informalidade brasileira, ao faz-de-conta farsesco de nossas instituições.
O PT sempre se apresentou como
exceção à regra corrupta e promessa
utópica de um poder diferente.
Quando é finalmente flagrado com a
boca na botija, entramos no reino da
indiferenciação. Perdemos uma oposição ética crível e não ganhamos um
governo melhor. Desânimo.
Não sei se a imoralidade é constitutiva da política. A impostura certamente é. E, neste escândalo, ela reina do início ao fim. Meu amigo tucano
está certo em cuidar da vida.
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