São Paulo, quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

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Por que a BrOi tem pressa ?

RUBENS GLASBERG

A questão principal é: qual o interesse público atendido com a incorporação? Não há ameaça imediata causada por espanhóis e mexicanos

A PETROBRAS, a megaempresa de petróleo considerada estratégica para o Brasil, foi criada por lei aprovada no Congresso após memorável campanha popular. Não foram um decreto presidencial e muito menos a decisão de alguma autarquia que legitimaram o modelo de política nacional de petróleo vigente até hoje. A sociedade não foi informada na época, como o é agora no caso da criação de uma megaempresa brasileira de telecomunicações, por meio de reportagens em off, seguidas de notas oficiais desencontradas e balões de ensaio sem paternidade plantados em jornais e revistas. Dada por alguns órgãos de imprensa como fato consumado (que não vem se consumando há várias semanas), a compra da Brasil Telecom pela Oi, para criar a BrOi, é uma operação que pressupõe uma mudança no modelo de telecomunicações estabelecido há dez anos. Em lugar das três concessionárias fixas atuais, seriam apenas duas, mais a Embratel como concessionária na longa distância. Há dez anos, para se estabelecer o modelo atual, foi feita uma lei, criou-se uma agência, a proposta foi colocada claramente para a sociedade, e tudo isso passou pelo Congresso. Agora, o modelo está sendo montado em uma discussão fechada, em função de interesses imediatos de sócios que querem vender suas participações, sócios que querem ampliar suas participações, além do Opportunity, acusado na Justiça brasileira e norte-americana de tungar os próprios sócios e as empresas que administrou por sete anos.
Para liberar a fusão de Oi e Brasil Telecom, seria necessário mudar o Plano Geral de Outorgas, permitindo que um mesmo grupo controle duas concessionárias. A diferença entre um modelo com duas empresas e um com três é significativa, porque a BrOi teria uma área de atuação muito ampla, sendo a responsável pelo atendimento de quase 78% da população.
Ainda que o mercado não esteja se concentrando diretamente por meio dessa fusão, já que as duas não concorrem, elas passam a ter uma responsabilidade muito maior e, em caso de problemas, o impacto será muito mais significativo.
Acontece que o novo modelo só será isonômico (ou seja, não-casuístico) se permitir também que outras concessionárias se consolidem. E se a Telefônica e a Embratel resolverem se consolidar, em cenário hipotético? Qual será o argumento do governo para não permitir? E o mercado de telefonia celular, que hoje também é dividido pela regra de que um mesmo grupo não controla duas ou mais operações em uma mesma área? Se mudou o PGO, por que não mudar as regras da telefonia celular? Será difícil encontrar explicação para essas situações. Não por acaso, Telefônica e Embratel estão caladas. Será que esperam alguma benesse também?
Mas o mais grave é o argumento de que se está criando uma grande empresa nacional, que servirá de contrapeso aos dois gigantes internacionais que atuam no Brasil: Telefônica e Telmex/América Móvil. A garantia de que a BrOi será nacional será um mero acordo de acionistas. O BNDES e os fundos de pensão das estatais, em tese, são os garantidores dos interesses nacionais. Mas acordo de acionistas muda-se a qualquer hora, basta que os acionistas o queiram. E pior, cabe aos fundos e ao BNDES financiarem a operação e os acionistas, em uma engenharia maluca em que o negócio só será bom para o BNDES se a megatele der certo. E quem garante?
Sem diminuir a relevância dos problemas e vontades dos sócios controladores, a questão principal que se coloca é: qual o interesse público atendido com a incorporação da Brasil Telecom pela Oi? Não há ameaça imediata causada por espanhóis e mexicanos. Os resultados de balanço de Oi e BrT são muito bons. Por que a pressa?
Um fato é inegável: passados dez anos, o modelo do ministro Sérgio Motta, que promoveu um fantástico desenvolvimento das telecomunicações, começa a implodir. Baseado no binômio competição/universalização da telefonia convencional, o projeto não é mais adequado ao mundo da tecnologia IP e da convergência. O modelo de negócios da telefonia baseado na tarifação diretamente proporcional ao tempo de uso e à distância da ligação está morrendo. O que se vende hoje é banda. A disputa é pelo acesso em banda larga tanto por fio quanto sem fio (wireless). E mais: há uma crescente interpenetração dos serviços fixos e móveis. Deixaram de existir áreas estanques como fixo, móvel ou longa distância, sobre as quais se fundamenta toda a regulamentação atual. É preciso rediscutir o modelo, como já o fizeram vários países. Não será a mera fusão ou incorporação BrOi que resolverá questões básicas. A discussão tem que ser pública e no interesse público.


RUBENS GLASBERG, 64, é jornalista da revista especializada em telecomunicações "Teletime".

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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