São Paulo, Domingo, 21 de Fevereiro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Será que o pescado é nosso?

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

O Matias conhece bem meus hábitos. Sabe que leio bastante. E que fico magnetizado por bons argumentos.
Presenteou-me com um livro sobre pesca por saber que sou um inconformado com o fato de o Brasil ter tanta água e produzir apenas 0,5% do pescado mundial, ocupando o vergonhoso 26º lugar.
O consumo humano também é baixo. Enquanto o mundo consome anualmente 14 kg, e o Japão, 80 kg "per capita", os brasileiros consomem só 5 kg. Simplesmente ridículo.
O Matias, que está mais ligado à questão alimentar do que eu, por tocar uma bela fazenda no interior de São Paulo, passou-me o livro com grave irritação, mostrando-me uma notícia de um jornal estrangeiro, registrando fome e anemia entre crianças e adultos brasileiros.
A abundância de peixes no mar, rios e lagoas é um dos mais preciosos presentes de Deus. O pescado é um alimento saudável e nutritivo. Além disso, pode gerar valiosas divisas e uma imensidão de empregos.
Quando se examinam as estatísticas, porém, verifica-se o inverso. O Brasil importa três vezes mais do que exporta em matéria de pescado. Temos um déficit comercial de um quarto de bilhão de dólares nesse campo. Um absurdo.
No que tange ao trabalho, são 700 mil pescadores -um número expressivo, sem dúvida. Mas poderia ser bem maior, especialmente de empregos indiretos, caso o Brasil tivesse um desempenho mais agressivo na captura e uma boa articulação com a indústria doméstica e de exportação.
Dois fatos comprometem a produção, o emprego, a renda, o abastecimento e as exportações de pescado no Brasil. (1) Mais de 90% da pesca é artesanal e realizada por 25 mil embarcações precárias que não garantem escala. (2) Uma parcela expressiva do pescado é descartada por ser constituída de espécimes de pequeno porte, o que acaba afetando o equilíbrio biológico dos cardumes ("O Brasil e o Mar no Século 21", 1998).
As tarefas a serem cumpridas nessa área de tanta potencialidade social e econômica são imensas, e os resultados, demorados. O Brasil precisa definir e implementar uma política séria que englobe ações concretas nos campos da infra-estrutura, equipamentos e treinamento de mão-de-obra.
Mas que não me inventem uma Pescobrás, para depois ser vendida na "bacia das almas" para japoneses ou noruegueses. A racionalização, industrialização e comercialização da pesca podem ser feitas por uma estreita parceria entre setor público e capitais privados, inclusive do exterior.
É preferível atrair os investidores externos dentro de uma moldura disciplinada a tê-los como piratas, pescando ilegalmente nas nossas costas ou comprando, mais tarde, o que jamais deveria ter sido estatizado. Se o peixe é nosso, vamos fazer com que a pesca também o seja.


Antonio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Itamar e Lilian Ramos
Próximo Texto: Frases
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.