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Será que o pescado é nosso?
ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES
O Matias conhece bem meus hábitos. Sabe que leio bastante. E que fico
magnetizado por bons argumentos.
Presenteou-me com um livro sobre
pesca por saber que sou um inconformado com o fato de o Brasil ter tanta
água e produzir apenas 0,5% do pescado mundial, ocupando o vergonhoso 26º lugar.
O consumo humano também é baixo. Enquanto o mundo consome
anualmente 14 kg, e o Japão, 80 kg
"per capita", os brasileiros consomem só 5 kg. Simplesmente ridículo.
O Matias, que está mais ligado à
questão alimentar do que eu, por tocar uma bela fazenda no interior de
São Paulo, passou-me o livro com
grave irritação, mostrando-me uma
notícia de um jornal estrangeiro, registrando fome e anemia entre crianças e adultos brasileiros.
A abundância de peixes no mar, rios
e lagoas é um dos mais preciosos presentes de Deus. O pescado é um alimento saudável e nutritivo. Além disso, pode gerar valiosas divisas e uma
imensidão de empregos.
Quando se examinam as estatísticas,
porém, verifica-se o inverso. O Brasil
importa três vezes mais do que exporta em matéria de pescado. Temos um
déficit comercial de um quarto de bilhão de dólares nesse campo. Um absurdo.
No que tange ao trabalho, são 700
mil pescadores -um número expressivo, sem dúvida. Mas poderia ser
bem maior, especialmente de empregos indiretos, caso o Brasil tivesse um
desempenho mais agressivo na captura e uma boa articulação com a indústria doméstica e de exportação.
Dois fatos comprometem a produção, o emprego, a renda, o abastecimento e as exportações de pescado no
Brasil. (1) Mais de 90% da pesca é artesanal e realizada por 25 mil embarcações precárias que não garantem escala. (2) Uma parcela expressiva do
pescado é descartada por ser constituída de espécimes de pequeno porte,
o que acaba afetando o equilíbrio biológico dos cardumes ("O Brasil e o
Mar no Século 21", 1998).
As tarefas a serem cumpridas nessa
área de tanta potencialidade social e
econômica são imensas, e os resultados, demorados. O Brasil precisa definir e implementar uma política séria
que englobe ações concretas nos campos da infra-estrutura, equipamentos
e treinamento de mão-de-obra.
Mas que não me inventem uma Pescobrás, para depois ser vendida na
"bacia das almas" para japoneses ou
noruegueses. A racionalização, industrialização e comercialização da pesca
podem ser feitas por uma estreita parceria entre setor público e capitais privados, inclusive do exterior.
É preferível atrair os investidores externos dentro de uma moldura disciplinada a tê-los como piratas, pescando ilegalmente nas nossas costas ou
comprando, mais tarde, o que jamais
deveria ter sido estatizado. Se o peixe
é nosso, vamos fazer com que a pesca
também o seja.
Antonio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.
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