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CLÓVIS ROSSI
Poder, pudor, protesto
SÃO PAULO - Resumida a termos crus, a doutrina Bush pode ser assim
expressa: nós temos a força, ela é incontrastável, nós somos do "bem",
então qual seria a estúpida razão pela qual deixaríamos de usá-la quando incomodados?
Ou, mais resumidamente ainda:
adeus ao pudor, viva o poder.
Não que os Estados Unidos não tenham, antes, recorrido à força sem
pudor. Mas em praticamente todos
os casos foram ações no quadro da
Guerra Fria, como já assinalou ontem Otavio Frias Filho, o que lhes dava a cobertura de regras não escritas
daquele período.
Agora não. Um governo fundamentalista acha-se no direito de levar
a "civilização" (a sua "civilização", é
claro) aos recantos mais obscuros do
planeta. É óbvio que, nas dobras da
"civilização", vai junto o "business"
(do petróleo, da reconstrução do Iraque), mas aí não é novidade: alguém
já disse que o negócio da América são
os negócios.
Suspeito de que parte do incômodo
planetário com o uso sem pudor do
poder derive do temor de que outros
cantos do planeta, obscuros ou nem
tanto, sejam "civilizados" depois que
Saddam Hussein cair.
Parece delírio de adeptos de teorias
conspiratórias imaginar, por exemplo, que os Estados Unidos venham a
usar a força para impor a Alca ao
Brasil. Continuo achando que é delírio, mas não custa lembrar que os Estados Unidos, antes e durante Bush
filho, impuseram inúmeras regras
econômicas e comerciais a outros
países -diretamente ou via FMI.
O embargo econômico ao Chile de
Salvador Allende (1970/73), por
exemplo, foi mortal. Matou uma democracia, deu vida a uma tirania.
Agora que o pudor foi deixado de
lado, o que impediria a repetição desse tipo de atitude vil?
Por isso, é bom mesmo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva use e
abuse do único instrumento que o periférico, fraco e pobre Brasil tem à
disposição: a voz de protesto.
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