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São Paulo, sexta-feira, 21 de março de 2003

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CLÓVIS ROSSI

Poder, pudor, protesto

SÃO PAULO - Resumida a termos crus, a doutrina Bush pode ser assim expressa: nós temos a força, ela é incontrastável, nós somos do "bem", então qual seria a estúpida razão pela qual deixaríamos de usá-la quando incomodados?
Ou, mais resumidamente ainda: adeus ao pudor, viva o poder.
Não que os Estados Unidos não tenham, antes, recorrido à força sem pudor. Mas em praticamente todos os casos foram ações no quadro da Guerra Fria, como já assinalou ontem Otavio Frias Filho, o que lhes dava a cobertura de regras não escritas daquele período.
Agora não. Um governo fundamentalista acha-se no direito de levar a "civilização" (a sua "civilização", é claro) aos recantos mais obscuros do planeta. É óbvio que, nas dobras da "civilização", vai junto o "business" (do petróleo, da reconstrução do Iraque), mas aí não é novidade: alguém já disse que o negócio da América são os negócios.
Suspeito de que parte do incômodo planetário com o uso sem pudor do poder derive do temor de que outros cantos do planeta, obscuros ou nem tanto, sejam "civilizados" depois que Saddam Hussein cair.
Parece delírio de adeptos de teorias conspiratórias imaginar, por exemplo, que os Estados Unidos venham a usar a força para impor a Alca ao Brasil. Continuo achando que é delírio, mas não custa lembrar que os Estados Unidos, antes e durante Bush filho, impuseram inúmeras regras econômicas e comerciais a outros países -diretamente ou via FMI.
O embargo econômico ao Chile de Salvador Allende (1970/73), por exemplo, foi mortal. Matou uma democracia, deu vida a uma tirania.
Agora que o pudor foi deixado de lado, o que impediria a repetição desse tipo de atitude vil?
Por isso, é bom mesmo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva use e abuse do único instrumento que o periférico, fraco e pobre Brasil tem à disposição: a voz de protesto.


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