São Paulo, sexta-feira, 21 de março de 2008

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Ocupantes do poder

Abusos e escândalos da política brasileira parecem repetir-se com mais intensidade nas Assembléias estaduais

POLTRONAS dotadas de mecanismo massageador, compradas a mais de R$ 3 mil por unidade, garantem o conforto dos deputados na Assembléia Legislativa de Mato Grosso, conforme noticiado pela Folha nesta semana. Graças a uma tecnologia de "indução magnética", as poltronas se tornam capazes de "ativar a circulação" dos parlamentares mato-grossenses.
Num espírito de blague, a que a notícia sem dúvida convida, caberia perguntar se não seria melhor se as tais poltronas tivessem assentos ejetores. A metáfora se aplicaria ao sistema do "recall", vigente em alguns Estados norte-americanos, que faculta ao eleitorado reivindicar de volta o mandato dos representantes que não tenham honrado o cargo -e as poltronas- que ocupam.
Falta, no Brasil, esse recurso democrático, que exigiria de todo modo complexas adaptações institucionais para ser implantado aqui. Seja como for, o caso da Assembléia Legislativa de Mato Grosso comparece apenas como uma nota pitoresca, numa situação de aguda desmoralização parlamentar em todos os quadrantes do território nacional.
Vem de Alagoas o exemplo mais estarrecedor. Nove deputados estaduais tiveram seus mandatos (mas não seus vencimentos) suspensos pela Justiça do Estado. Investigações da Polícia Federal indicam o envolvimento dos parlamentares com abusos de dimensões excepcionais, mesmo para o padrão notoriamente imoderado que prevalece na política brasileira.
Os deputados alagoanos não apenas se apropriavam, segundo a PF, de salários que deveriam ser pagos a funcionários e assessores, numa prática que está longe de ser inédita no país. Também faziam empréstimos pessoais que eram pagos com recursos da Assembléia; o dinheiro serviu para comprar fazendas, apartamentos e carros importados. No total, os desvios acumulam R$ 280 milhões.
Além dos nove deputados já afastados pela Justiça, outros dois foram indiciados pela PF. Quanto aos suplentes, que devem assumir nas próximas semanas, há cinco que também respondem a processos.
Não se bateu ainda o recorde de Rondônia, onde foi revelado, em 2006, o envolvimento de 23 dos 24 deputados estaduais em fraudes na folha de pagamento da Assembléia, num desvio de R$ 70 milhões. As investigações da PF chegaram também a nomes de juízes e secretários de Estado com participação no esquema.
Se, no âmbito federal, um forte contingente de parlamentares está longe de manifestar padrões aceitáveis de conduta, pelo menos a opinião pública os acompanha com mais intensidade. Nas Assembléias Legislativas, entretanto, tudo indica haver margens maiores para o descalabro. Menos mal que em Alagoas se comece a coibi-lo; mas tirar deputados de seus postos continua a ser bem mais difícil, sem dúvida, do que providenciar novas e custosas poltronas para quem já está instalado no poder.


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