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NELSON MOTTA
Frases obscenas
RIO DE JANEIRO - Jovem e fervoroso revolucionário, um dia comentei com meu avô que alguma
coisa era boa, mas cara, e ouvi, chocado, um velho professor amigo dele me dizer com naturalidade: "Mas
tudo que é caro é bom, meu filho".
Sorrindo da minha indignação,
ressalvou que nem tudo que é barato é ruim, que era possível que algo
barato fosse bom, e que nem tudo
que é bom é caro, já que algumas
das melhores coisas da vida são
de graça. Mas manteve a frase
obscena.
E mais: me assegurou que o ser
humano não vende mais barato o
que pode vender mais caro, que
ninguém quer o pior se pode ter o
melhor e que uma das leis irrevogáveis da humanidade é a da oferta e
da procura. Me senti ultrajado.
Mas ao longo dos 40 anos seguintes fui entendendo que era só uma
generalização provocativa paulo-franciana, nelson-rodrigueana, pelo prazer da frase e da ironia, e me
lembrei dele muitas vezes, com um
sorriso, do velho cínico. E sábio.
O que diria ele agora, quando
tantos ainda crêem que "tudo que é
de esquerda é bom"? Sem ressalvas,
já que tudo que não é de esquerda,
de direita é, portanto, do mal.
Quem ler, digamos, o Zé Dirceu, vai
acreditar que a esquerda é generosa
com os pobres e oprimidos, quer a
igualdade e a fraternidade, é trabalhadora, honesta, não rouba, só
pensa no bem do povo e do país. Os
que apenas são contra a esquerda
são autoritários, gananciosos, só
pensam em dinheiro, em explorar
os pobres, em atrasar o país, em pilhar o Estado. É patético.
O óbvio ululante é que há cada
vez mais gente que não é de esquerda mas tem as qualidades que ela se
atribui, assim como há muitos esquerdistas no poder que fazem justamente o que atribuem a seus
opostos. Mas, o que seria dos zé-dirceus se não fosse "a direita"?
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