|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
NÃO
Justiça anacrônica
JOÃO BARCELOS DE SOUZA JÚNIOR
A JUSTIÇA MILITAR é tão desnecessária quanto inconcebível
em uma sociedade que busca
ser moderna. Os que a defendem
calcam suas razões na manutenção
da ordem e da disciplina militar, bem
como na especialidade da matéria.
Basta uma mera análise para se verificarem as bases falsas e, o que é pior,
justamente na contramão do que se
busca em termos de Justiça.
A ordem e a disciplina no meio militar são atingidas pela imposição de
rigorosas regras hierárquicas, enquanto a especialidade da matéria é
tão somente mais uma entre tantas
outras que a Justiça costuma tratar.
Muito sério o primeiro argumento,
pois faz da Justiça Militar uma longa
mão do superior hierárquico, produzindo decisões que não visam a justiça no caso concreto, mas, simplesmente, a manutenção de disciplina
ainda que às custas de injustiças.
No que tange à especialização, nada
mais incongruente. A Justiça não militar lida com várias matérias específicas, tais como família, infância, ordem tributária etc., todas mais complexas do que o direito militar.
Somente cerca de 5% dos processos
tratados em Justiça Militar dizem
respeito às questões da caserna, tais
como os crimes de insubordinação,
desobediência e abandono de posto.
Tais feitos, além de terem um número
inexpressivo de processos, têm
um grau de dificuldade da matéria
quase risível diante da complexidade
do que é julgado na Justiça comum
ou na Justiça Federal.
Assim, caso se fosse contabilizar o
número de processos em tramitação
na Justiça Militar de todo o Brasil,
com os descontos daqueles que realmente dizem respeito à matéria militar, certamente se obteria um número tão baixo quanto vergonhoso, de
causar choro e revolta aos contribuintes. Apenas para exemplificar, no Rio
Grande do Sul a Justiça Militar Estadual possui, ao todo, somados primeiro e segundo graus, menos de mil processos. Imagine se ficasse apenas com
os processos que realmente dizem
respeito aos crimes militares próprios?
E o que é pior: para um
volume tão inexpressivo de processos, a sociedade gaúcha desembolsará, neste ano, cerca de R$ 24 milhões.
Uma farra com o dinheiro público.
A especialização de que tratam os
defensores da Justiça Militar bem
caberia em todos os setores e classes
da sociedade. Recentemente a Argentina, um dos países mais militarizados do mundo, decidiu reduzir, ao
máximo, a Justiça Militar, para que
atue somente naqueles pouquíssimos
casos de crimes militares próprios,
sendo que todos os demais passarão
para a competência da Justiça comum.
Veja-se isso como uma tendência mundial, somente se justificando
a discussão da manutenção da Justiça
Militar em âmbito de Forças Armadas e apenas para os crimes militares
próprios -jamais os da Polícia Militar, dada a natureza mais do que
civil das funções que desempenham
os militares estaduais.
Por fim, ressalte-se a odiosa tendência corporativista dos julgamentos, com tratamentos dissidentes entre praças e oficiais, principalmente
oficiais superiores. Recentemente, no
Rio Grande do Sul, tive a oportunidade de denunciar na Assembleia Legislativa alguns casos de julgamentos
absurdos do ponto de vista jurídico,
sempre beneficiando oficiais de alta
patente. A discussão tomou corpo e
hoje o Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul, por vontade de 92%
dos magistrados estaduais, está para
encaminhar emenda constitucional
extinguindo a Justiça Militar.
Decisões desconectadas do jurídico
são comuns, pois os membros militares nem sequer necessitam ter formação em direito. Dos 4 membros militares aqui no Estado, somente 3 são
formados, pois buscaram os bancos
escolares depois de terem sido nomeados pelos governadores -o que,
"data venia", muito pouca diferença
faz para quem tem um cargo com a remuneração e o status de desembargador. Isso tudo é lamentável e muito
sério pela falta de seriedade de como
se constitui a Justiça Militar.
JOÃO BARCELOS DE SOUZA JÚNIOR, advogado, é
promotor de Justiça do Ministério Público do Rio Grande
do Sul e titular da Segunda Promotoria de Justiça Militar
de Porto Alegre.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Flávio Flores da Cunha Bierrenbach: Justiça Militar pela defesa da pátria Próximo Texto: Painel do Leitor Índice
|