São Paulo, domingo, 21 de março de 2010

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EMÍLIO ODEBRECHT

A televisão e a política

A CAMPANHA eleitoral deste ano, que extraoficialmente já está nas ruas, é mais um passo importante na caminhada do Brasil rumo ao futuro.
Quanto mais as práticas democráticas ocorrem, mais os cidadãos se aperfeiçoam nas mesmas. A construção da boa política é, sobretudo, fruto de uma espécie de pedagogia continuada feita de sucessivas experiências do exercício do voto ao longo do tempo.
Como toda pedagogia, esta também se enriquece com o contato humano. E é exatamente sobre isso que quero falar.
Antigamente, nossa política padecia de males graves, os quais, felizmente, estão superados. Lembremo-nos da República Velha, onde os resultados dos pleitos eram sistematicamente fraudados; dos usos e costumes nos tempos do coronelismo no Nordeste; e mesmo da pura e simples ausência do direito de votar nos períodos autoritários que já vivemos. Mas não fará mal algum admitirmos que havia um lado bom na política de então: a proximidade entre população e governantes era muito maior do que na atualidade.
As campanhas eram feitas na base de comícios. Nos períodos eleitorais, qualquer pessoa tinha a chance de ouvir o candidato no qual pretendia votar discursando e expondo em praça pública sua biografia e seus compromissos de governo. Tais práticas conferiam à política uma dimensão humana que está se perdendo. Hoje, o que faz diferença é a televisão.
Não faria sentido, obviamente, que os partidos trocassem a força da TV -através da qual se fala com milhões de pessoas ao mesmo tempo- pelo corpo a corpo nas ruas.
Mas com isso, nossos políticos estão privados das vaias e dos aplausos, que são, sem dúvida, os melhores termômetros da receptividade do eleitorado.
A campanha pela TV não é um mal em si. O problema está no papel que cabe ao candidato. Nas coligações o que conta não são as convergências programáticas e ideológicas, mas os minutos na televisão que os partidos têm para oferecer.
O discurso não é pautado pelo formulador do plano de governo, mas pelo marqueteiro -senhor absoluto das falas, das roupas, dos óculos e até do corte do cabelo do candidato.
Perdemos a autenticidade do passado e não me parece saudável que a maior parte do povo brasileiro conheça quem pretende conduzir nosso destino na tela de um televisor, embalado em um artificialismo distante do mundo real, reproduzindo, sem convicção, gestos teatrais.
Interpretar papéis é tarefa para atores; gerir um país é encargo de estadistas. Revelar a diferença que há entre uns e outros seria muito bom para nossa democracia.


EMÍLIO ODEBRECHT escreve aos domingos nesta coluna.

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