São Paulo, sexta-feira, 21 de abril de 2000


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Mais 500?

RUI NOGUEIRA

Brasília - A rigor, as comemorações dos 500 anos não são exatamente pobres. São ocas. A reação de índios e sem-terra é do tamanho do acinte planejado nos gabinetes oficiais. Com uma violência circunstancialmente fora de foco, mas sempre dentro de um contexto que os herdeiros das capitanias se recusam a entender.
Ou seja: 500 anos depois, índios, sem-terra, sem-salário e todos os sem-nada e com-tudo-de-ruim deste país não suportam mais que alguém lhes peça a única coisa que é inadmissível pedir -paciência. Em maio de 97, depois das mortes dos sem-terra de Eldorado do Carajás e dos sem-teto de São Paulo, lembro-me de ter usado o Nobel José Saramago, neste mesmo espaço, para descrever a situação do país.
Não mudou nada nos últimos três anos e mudou pouco nos 500. Os governantes não entendem, disse Saramago defendendo os sem-terra, que há uma luta entre duas paciências: a do povo e a do poder. Não há um só ato político de esperança embutido no programa das comemorações.
É impressionante o niilismo em torno da festa dos 500 anos. É desprovida de reflexão, não tem produção cultural que marque (escapa a mostra de arte em São Paulo), não tem um programa editorial de obras reveladoras ou fixadoras de novos e velhos pensamentos. Tinha um ministro Greca (Esporte e Turismo) fazendo trocadilhos ao vento e tentando ridicularizar o Itamaraty. Que merece ser ridicularizado. Mas não por Greca.
Pela programação dos 500 anos, os governantes parecem esperar que algo mude ao final dos próximos 500. E que Greca seja o organizador das comemorações do milênio de história brasileira. Até lá, ou não haverá mais índios para estragar a festa balofa ou, o mais provável, serão todos sem-terra -os sem-terra de hoje, que continuarão a sê-lo, em maior número, e os índios de hoje que "evoluirão" de índios-com-terra-por-demarcar para sem-terra. Juntos, formarão uma legião de párias, prontos para degustar todos os insensíveis como se bispos Sardinha fossem. E continuaremos a dizer que estamos a pagar os pecados do colonizador. Boa piada, de brasileiro.


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