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DEMÉTRIO MAGNOLI
Pardos
"Veja, até você provar que um
ato discriminatório é racismo,
a pessoa desiste, pois é considerado
como injúria. É considerado como
qualquer coisa, menos racismo, justamente porque quem julga são os brancos. Quem julga são as pessoas que
manejam a lei." O conceito é da ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria da
Igualdade Racial. Se isso é verdade, a
"raça" é o fator determinante na esfera
política e só juízes negros podem aplicar a lei, ao menos nos casos de processos de racismo. Mas quem é negro?
No Censo 2000, postos diante das
opções de "cor ou raça" do IBGE, 39%
dos declarantes identificaram-se como "pardos" e 6% como "pretos".
Quem são os "pardos"? O racismo do
século 19 imaginava-os como o produto da miscigenação entre as "raças"
branca e negra, mas a genética moderna, que nega a existência de raças humanas, mostrou que quase 90% da
população brasileira tem significativa
ancestralidade africana.
O dicionário oferece, entre as definições de "pardo", a seguinte: "branco
sujo, duvidoso".
ONGs do movimento negro reivindicaram a substituição das opções
"pardo" e "preto" pela opção "negro"
nas pesquisas oficiais no Brasil. O IBGE realizou ensaios nessa linha, que
resultaram na migração da grande
maioria dos declarantes que se identificavam como "pardos" para a opção
"branco". Diante da hipótese de radical "redução" da participação dos negros na população brasileira, as ONGs
renunciaram à mudança.
As elites do Império do Brasil interpretavam como sua missão a criação
de uma civilização moderna nos trópicos. Mas o Brasil, aos olhos dessas
elites, não poderia ocupar um lugar
destacado no concerto das nações,
pois era um "país de negros". O dilema encontrou solução no "branqueamento", um empreendimento histórico conduzido por meio da promoção
da imigração européia e da valorização ideológica da mestiçagem. Um
dos frutos desse empreendimento foi
o surgimento dos "pardos", os quase-brancos da nação "européia" que se
aclimatava à natureza tropical.
Nesse Censo Escolar 2005, uma diretora de escola de Belo Horizonte "corrigiu", por conta própria, todas as fichas de alunos que se declararam
"pardos", transformando-os em "pretos". A diretora trapaceou, mas o resultado que obteve é a meta de uma
vertente significativa do movimento
negro: a construção de uma raça negra no Brasil. Esse programa de reengenharia racial almeja "retificar" a
obra do Império, passando uma borracha sobre a mestiçagem e suprimindo os "pardos".
A Secretaria da Igualdade Racial tornou-se o centro coordenador desse
programa, que é uma política de Estado. Seu instrumento principal são os
sistemas de cota "racial" em universidades públicas. A qualificação de
"pretos" e "pardos" para as cotas funciona como uma "pedagogia racial",
na expressão sugerida pelo sociólogo
Marcos Chor Maio e pelo antropólogo
Ricardo Ventura Santos, pois os dois
grupos "aprendem" a identificar-se
como "negros". (O artigo de Maio &
Santos sairá na revista "Horizontes
Antropológicos", nš 23).
Raças humanas são invenções culturais do poder político. O Império fabricou os "pardos". O Estado entrega-se agora à fabricação de um país de
"brancos" e "negros", isento de
meios-tons. Invertem-se os sinais de
valor à custa da atualização, da legitimação e da oficialização do artigo de
fé do racismo, que é a classificação racial dos cidadãos.
Demétrio Magnoli escreve nesta coluna às
quintas-feiras
@ - magnoli@ajato.com.br
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