São Paulo, quinta-feira, 21 de abril de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Ruptura pela consolidação democrática

SEVERINO CAVALCANTI

As últimas décadas assistiram à democratização da maioria dos países latino-americanos. Após regimes ditatoriais repressores, essa vitória marcou a triunfal conquista da liberdade, mas não garantiu a consolidação democrática, caminho a ser percorrido para o efetivo funcionamento do regime. Nas conversas acadêmicas, nos artigos daqueles que acompanham o desenvolvimento democrático aqui pela América Latina, nos bate-papos políticos é praticamente unânime a opinião de que um dos entraves para a consolidação é a subserviência dos Legislativos em relação aos Executivos, além, é claro, de fatores como desigualdade social e econômica. Assim, romper essa relação não seria bom?


O balanço de nossa gestão até agora não deixa margem para dúvidas de que a Câmara dos Deputados mudou


A resposta natural seria um categórico "sim". Entretanto estranhou-nos a reação negativa, a rejeição à ruptura que coloca o Brasil na frente da luta pela soberania parlamentar em relação a muitos de seus vizinhos.
Não podemos deixar de perguntar, então, o que seria bom para o Brasil, se aquilo que antes era apontado como virtude a ser conquistada agora faz temer os que não entendem que a quebra de paradigmas e aquele sentimento de que tudo está fora do lugar é essencial para reconstruirmos uma nova relação entre os Poderes, em bases diferentes e, sem dúvida, muito mais eficazes. Isso porque ninguém hoje questiona a necessidade de Poderes independentes para que a responsabilidade e a ética possam reinar entre eles e, mais do que isso, a fiscalização ocorra de forma mais eficaz.
Cremos que o balanço de nossa gestão até agora não deixa margem para dúvidas de que a Câmara dos Deputados mudou. A primeira atitude foi nos apossarmos, firmemente, da prerrogativa de elaborarmos, com um colégio de líderes mais fortalecido, a pauta de votação da Casa, antes quase que diretamente submetida ao Palácio do Planalto. A isso aliou-se a quebra no processo de negociação para as votações. Nada mais pode dormir nas gavetas ou ser priorizado segundo a conveniência de alguns grupos; cumprido o trâmite necessário, tudo deve ir a plenário. Não faltaram críticas a isso. Uns consideram inabilidade política, outros bagunça. Mas a realidade é que o cumprimento do regimento força as negociações a acontecerem em tempo razoável, sem a demora que parecia brincar com os anseios da sociedade.
Foi assim que aprovamos a Lei de Biossegurança, a PEC paralela da Previdência, a criação da CPI do Tráfico de Armas, o fim do crime de adultério, a instituição de juizados especiais para violência doméstica, a regulamentação dos consórcios públicos, a garantia da presença de acompanhante às parturientes no SUS, o Programa Nacional de Microcrédito e o incentivo fiscal para o biodiesel, entre outros. E rejeitamos a famigerada MP 232, que punia os brasileiros com aumento de tributos.
O plenário tem sido soberano para manifestar suas posições, pelo voto. E será mais ainda quando conseguirmos mudar o rito de tramitação das medidas provisórias, que trancam a pauta e nos impedem de deliberar sobre projetos importantes elaborados por parlamentares.
Cumpre lembrar que a presidência da Câmara não tem poder de garantir a aprovação ou a rejeição de nenhuma proposta, e nem pretende fazê-lo. Por isso, são improcedentes as acusações de aumento de gastos públicos pelo presidente da Casa. A PEC paralela é de autoria do Senado, já tramitava na Câmara havia alguns anos e era do conhecimento de todos os parlamentares. A Lei Orgânica da Assistência Social foi aprovada conclusivamente, por unanimidade, nas duas comissões por que passou, antes mesmo da atual gestão. Portanto nem foi submetida ao plenário.
Jamais forçaremos a aprovação de algo em função de interesses pessoais e políticos. E isso já foi claramente demonstrado quando recebemos representantes de homossexuais e asseguramos a deliberação de projetos que tratam de suas condições. Garantimos a formação da comissão que debaterá o aborto. Recebemos grupos pró e contra o desarmamento, embaixadores de vários países, numa demonstração da diversidade política da atual gestão. Daremos também trâmite normal à PEC que trata do nepotismo.
A Câmara constitui-se hoje fielmente na Casa do povo, com as portas abertas a tudo o que pensam e defendem os diversos grupos que compõem nosso imenso país. Para garantir isso temos viajado aos mais longínquos rincões do Brasil, onde a recepção calorosa que recebemos é a certeza de que nossos anseios são compartilhados pelo povo que nos tem elegido. Ele, hoje, como raras vezes na história do Brasil, sabe o que é a presidência da Câmara, quem a administra, como funciona o Parlamento, no que há de bom e de ruim. As contradições virão à tona, sim, porque a autenticidade lhes trará luz. E não nos furtaremos ao dever e à grande oportunidade de as corrigir, com a participação cada vez mais crescente da sociedade.
A democracia só terá a agradecer ao novo Parlamento brasileiro.

Severino José Cavalcanti Ferreira, 74, deputado federal pelo PP de Pernambuco, é o presidente da Câmara dos Deputados.
@ - presidencia@camara.gov.br



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