São Paulo, sábado, 21 de maio de 2005

Próximo Texto | Índice

AVANÇO DA CIÊNCIA

Numa importantíssima realização científica, pesquisadores sul-coreanos conseguiram produzir com eficiência 11 linhagens de células-tronco embrionárias humanas através de clonagem. O grupo que executou a façanha é o mesmo que, no ano passado, anunciou a primeira clonagem de embrião humano. Naquela ocasião, precisaram de 242 óvulos para derivar uma linhagem de células. Desta vez, de 185 oócitos, produziram 11 cepas.
As expressões usadas pela comunidade científica internacional para qualificar o experimento, relatado na edição eletrônica do periódico "Science", incluem "espetacular", "salto que não se esperava que fosse acontecer por décadas", "alguns vão odiar, outros, amar". O presidente George W. Bush foi um dos primeiros a avisar que está entre os que odiaram. Afirmou também que, se chegar às suas mãos um projeto de lei que facilite a clonagem terapêutica nos EUA, vai vetá-lo.
O feito sul-coreano tem dois impactos diretos. Em primeiro lugar, mostra que é factível produzir células-tronco embrionárias sob medida. Se um dia surgirem terapias a partir dessas células -perspectiva ainda distante-, será possível criar linhagens imunologicamente compatíveis com cada paciente, eliminando assim o problema da rejeição. Alguns argumentavam que a individualização seria impraticável e que teríamos de nos contentar com algumas linhagens específicas, que talvez não dessem conta de suprir toda a variedade genética da população.
O experimento também é importante porque oferece a cientistas de todo o mundo uma receita para produzir cepas de células-tronco que padeçam de doenças genéticas -e isso pode revelar-se fundamental para que se compreenda a evolução da moléstia em nível celular.
Clonando células de pessoas portadoras de doenças com forte componente genético, como os sul-coreanos fizeram em duas das linhagens, talvez tenhamos a chance de acompanhar "ab ovo" o surgimento dos primeiros erros na divisão celular. Não só entenderíamos melhor a patologia, como estaríamos aptos a detectá-la mais precocemente -o que pode fazer toda a diferença.
Indiretamente, a pesquisa nos força a reavaliar certos critérios éticos e até algumas leis. Entre as medidas usadas pelos cientistas para aumentar a eficiência está a utilização de óvulos frescos (e não sobras congeladas de tratamentos de fertilidade) e de mulheres jovens (que menos freqüentemente procuram essas terapias). A pergunta que se coloca é se é ético pedir a voluntárias que se submetam aos procedimentos necessários para doar oócitos (hiperestimulação ovariana e cirurgia), que envolvem um risco pequeno, mas não negligenciável, uma vez que não haverá benefício direto para elas nem para parentes que hoje sofram de moléstias incuráveis.
O experimento coreano também mostra que países como o Brasil, que acaba de liberar até certo ponto a pesquisa com células embrionárias humanas, podem já estar ficando para trás. Com efeito, a Lei de Biossegurança, aprovada neste ano, admite a utilização de embriões que sobraram de tratamentos de fertilidade, sem contudo permitir a clonagem terapêutica (produção de embriões especificamente para pesquisa e terapia). Se a principal linha de investigação médica seguir para a confecção e acompanhamento de cepas patológicas, os cientistas brasileiros já estarão de mãos amarradas pela nova lei.
E, nesse campo, a regulação parece ser o principal diferencial entre países. Essa é provavelmente a única área da ciência na qual os EUA, devido ao fundamentalismo religioso de seus dirigentes, não exercem liderança. A Coréia do Sul soube aproveitar a oportunidade e se firma como a potência da clonagem.


Próximo Texto: Editoriais: FRACASSO AMBIENTAL

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.