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AVANÇO DA CIÊNCIA
Numa importantíssima
realização científica, pesquisadores sul-coreanos conseguiram
produzir com eficiência 11 linhagens
de células-tronco embrionárias humanas através de clonagem. O grupo
que executou a façanha é o mesmo
que, no ano passado, anunciou a primeira clonagem de embrião humano. Naquela ocasião, precisaram de
242 óvulos para derivar uma linhagem de células. Desta vez, de 185 oócitos, produziram 11 cepas.
As expressões usadas pela comunidade científica internacional para
qualificar o experimento, relatado na
edição eletrônica do periódico
"Science", incluem "espetacular",
"salto que não se esperava que fosse
acontecer por décadas", "alguns vão
odiar, outros, amar". O presidente
George W. Bush foi um dos primeiros a avisar que está entre os que
odiaram. Afirmou também que, se
chegar às suas mãos um projeto de
lei que facilite a clonagem terapêutica nos EUA, vai vetá-lo.
O feito sul-coreano tem dois impactos diretos. Em primeiro lugar,
mostra que é factível produzir células-tronco embrionárias sob medida. Se um dia surgirem terapias a
partir dessas células -perspectiva
ainda distante-, será possível criar
linhagens imunologicamente compatíveis com cada paciente, eliminando assim o problema da rejeição.
Alguns argumentavam que a individualização seria impraticável e que
teríamos de nos contentar com algumas linhagens específicas, que talvez
não dessem conta de suprir toda a variedade genética da população.
O experimento também é importante porque oferece a cientistas de
todo o mundo uma receita para produzir cepas de células-tronco que padeçam de doenças genéticas -e isso
pode revelar-se fundamental para
que se compreenda a evolução da
moléstia em nível celular.
Clonando células de pessoas portadoras de doenças com forte componente genético, como os sul-coreanos fizeram em duas das linhagens,
talvez tenhamos a chance de acompanhar "ab ovo" o surgimento dos
primeiros erros na divisão celular.
Não só entenderíamos melhor a patologia, como estaríamos aptos a detectá-la mais precocemente -o que
pode fazer toda a diferença.
Indiretamente, a pesquisa nos força a reavaliar certos critérios éticos e
até algumas leis. Entre as medidas
usadas pelos cientistas para aumentar a eficiência está a utilização de
óvulos frescos (e não sobras congeladas de tratamentos de fertilidade) e
de mulheres jovens (que menos freqüentemente procuram essas terapias). A pergunta que se coloca é se é
ético pedir a voluntárias que se submetam aos procedimentos necessários para doar oócitos (hiperestimulação ovariana e cirurgia), que envolvem um risco pequeno, mas não negligenciável, uma vez que não haverá
benefício direto para elas nem para
parentes que hoje sofram de moléstias incuráveis.
O experimento coreano também
mostra que países como o Brasil, que
acaba de liberar até certo ponto a
pesquisa com células embrionárias
humanas, podem já estar ficando para trás. Com efeito, a Lei de Biossegurança, aprovada neste ano, admite
a utilização de embriões que sobraram de tratamentos de fertilidade,
sem contudo permitir a clonagem terapêutica (produção de embriões especificamente para pesquisa e terapia). Se a principal linha de investigação médica seguir para a confecção e
acompanhamento de cepas patológicas, os cientistas brasileiros já estarão de mãos amarradas pela nova lei.
E, nesse campo, a regulação parece
ser o principal diferencial entre países. Essa é provavelmente a única
área da ciência na qual os EUA, devido ao fundamentalismo religioso de
seus dirigentes, não exercem liderança. A Coréia do Sul soube aproveitar
a oportunidade e se firma como a potência da clonagem.
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